domingo, 12 de agosto de 2018

Sonhos de ontem à beira-mar



11Aqu
Noite estrelada. Morna. Mas sinto frio cá dentro. Um frio que me gela. Os escaninhos da memória, onde se escondem metros e metros de filmes que não quero recordar, agitam-se. São longas horas de espera. Sonhos que começam e não acabam. Sonhos que nunca tive e não passam de ondas que se desfazem na praia dos desencontros. É um absurdo ver a minha onda para lá da linha do horizonte. Devis estar com ela.
Então quem está comigo à beira-mar?
Olho o céu da noite. De súbito, foi aquecido pelo riscar efémero de uma estrela cadente.
«Pede um desejo!»
Quem me dera que o desejo se realize! Mas que desejo, se me sinto ausente nesta praia deserta?
Maldita a noite que vai parir o dia! O dia de amanhã, vazio, que me espera. E toda a sucessão monótona dos dias e das noites.
«Então o que vai acontecer hoje?»
Tanto pode ser mau, como não ser bom. Bom. Que bom que é não ser quem vai acordar amanhã. E tenho sorte porque amanhã é o dia do outro. Ao menos, esse não se enamora só nas noites estreladas ou coisas parecidas, nem precisa de esperar pela onda que não vem e tem sempre tudo o que quer e o que não quer. Também deve ser monótona a sua vida. Deixemo-lo em paz.
A noite está fria. A minha onda ainda não chegou. Talvez nem esteja para chegar.

Ah!, se ela pudesse estar agora comigo, à beira-mar, a ouvir também o ruído das ondas! Muito juntos, como um só, esperando pela onda que nunca virá!
Também é melhor não pensar nela.
Olho para o lado e vejo o outro. Pois. Agora percebo. Descobri o seu segredo. Julga-se mago das palavras, mas não passa de um manipulador. Assim, obrigado. Também eu conseguia. Com esse trunfo, tem tudo o que quer. 
E se tentasse ser como ele?
Não quero. Prefiro lutar para ter hoje o que vou perder amanhã.
Não faz mal manipular só umas palavras para darem a volta ao texto. Não faz mal manipular. Fazer batota.

Não vejam este sorriso de vencedor. Acabo de roubar-lhe a caneta e o papel. Parece fácil. Deve haver cá dentro um centro donde vêm as histórias de amor. Os seus segredos. É só procurar. Se ele tira partido delas, também eu posso aproveitar-me.
Cá estão.
Mas que fui fazer?!...
Entrei no sítio negro da memória. Azar o meu. Fujo a sete pés.
Mas onde estão as histórias que ainda não vivi?
«Estou aqui. Desculpa o meu sorriso porque sei que não me vês. Estou na tua frente. A ler nos teus olhos incrédulos o minuto que vai chegar. A tentar adivinhar se entre o ontem e o hoje existe uma ponte ou a deitaram abaixo.»
O outro também fala?
Pois fala. Mas confesso que não entendi o que quis dizer. Pensava que só escrevia o que alguém lhe ditava. Um motivo forte fê-lo vir à boca de cena.
«Que história queres viver? Tenho soluções para tudo.»
Só me faltava mais esta! Apossar-se de novo da caneta e do papel que lhe roubei e querer apossar-se também de mim! Antes estar à beira-mar, na praia dos desencontros, a ver o céu da noite, estrelado. Aquele céu que inspira os sonhos impossíveis.
«Vais arrepender-te...»
Agora vem com ameaças. Chego bem para ele. Se ao menos tivesse um martelo bem sabia o que fazer.
Foi-se. Meti-lhe medo. Sou eu de novo e já não estou à beira-mar. As ondas foram para longe, mas nada me garante que amanhã não estejam de regresso.

Vejamos o que me espera o amanhã, onde o tempo parou para esperar por mim. Os meus olhos perdem-se na distância. Oiço o eco da sua voz doce, vejo uns olhos negros e profundos, sinto a sua pele suave e mestiça.
Paixões leva-as o vento se este sopra do sul. Já tive tempestades interiores. Aqui, à beira-mar, onde estive e já não estou. 
O tempo teima em voltar do tempo que ontem parou e não quero voltar para trás!

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