De
que cor eram os olhos de Patrícia?
Verdes,
azuis, cinzentos. Da
cor do mar.Mas tive muitas Patrícias de sonho com olhos castanhos. Uma certa Esfinge atrás do espelho a snifar cocaína. Utopias com olhos melosos e outras miragens também.
A propósito de snifar, "alguém", que morava lá em cima e que gostava muito de mim, fez com que conseguisse ficar longe de promessas esfíngicas. Quanto às utopias, não fui capaz de agarrar uma. Nem uma que fosse. Passaram por mim, cabelos soltos ao vento, ao mesmo tempo que me acenavam impossíveis porque gostavam de ser amadas e depois fugiam. Sim. É verdade. E não me perguntem porquê. Ainda hoje sonho com elas.
Porque foi...?
Gosto da noite. Do luar. Do frio da madrugada. Dos mistérios.
Quando saio para a rua, sugo o tutano da noite antes que este fuja. Depois, sonho com o tempo de ontem em que bastava estender um braço para ter meu o que sonhava. Fatal como o destino.
Agora as Patrícias são outras. Gostosonas. Suculentas. Mas é uma outra forma de sentir. Claro que sem o sabor a morangos silvestres e o odor a rosas vermelhas, por exemplo. Digamos que são Patrícias modificadas. Que se adivinham à distância porque trazem certas fragrâncias apelativas, não para os mistérios do coração, mas para o estômago formal. Guisados e caldeiradas. Poucos grelhados. Desculpem, mas são sinais do tempo. Não que nesses tempos, já perdidos, não chegassem também os odores mais carregados. Mas era outra coisa. Os morangos silvestres funcionavam com uma espécie de entrada para um prato daqueles que já referi.
Mas um dia até tudo isto vai acabar. Vou perder o odor. Vou esquecer o meu prato preferido. Lulas guisadas, registem para quando um dia não me lembrar. Vou deixar de despir as mulheres com o olhar e tudo isso. E a propósito, é o dia da tua vingança, Odete, se é que ainda estás por cá. Despi sempre as outras e tu, que me dizias, com uma certa ironia (mas no fundo agastada), que as despia com o olhar, vais ter a certeza que, já que nunca te despi, mais nenhuma "galdéria" vai ter esse prazer ou revolta! Eu pensava por mim e elas por elas.
Não é maldição, Odete. São os sinais do tempo ao qual ninguém foge. E... ó se lamento!, que esse tempo não volte.
Quero acordar amanhã, morto e bem morto. Flutuar por cima do meu corpo grosseiro até ter a certeza que não vou voltar. Quero partir para outra forma de vida que, por acaso, não sei se existe. De qualquer maneira, mesmo que me agarre a este mundo de transição, mandam as regras do jogo. Comigo não há nada a fazer. Vou seguir à risca as regras. Depois, adeus, ó cadáver...
Mas não há volta a dar porque não vou por aí, pelo caminho mais fácil. Há normas que devo seguir. Os meandros lentos do meu rio que me hão de levar à foz. É isso. E só peço que haja meandros e mais meandros, Mas só enquanto eu for eu. Portanto, que "tenha o sentimento de mim". Me conheça enquanto eu. Não trate os familiares como estranhos. Ponto final.
Por enquanto vou continuar por cá. À espera. O meu destino final é mergulhar bem fundo nos fundos negros do meu mar, procurar o azul de ontem e tentar viver o último sonho, fatal, onde a noite é rainha, o fantasma está vivo e eu vou finalmente a caminho.
Não quero desistir de viver, à medida das folhas das árvores, amarelecidas, que caem dos troncos das árvores. Nem quero flutuar e perder-me no azul constelado do céu, tal como está a acontecer às galáxias por força da energia negra. Que fique bem claro. Também não quero esquecer-me que vivi, mas isso é o mesmo que pedir lume às estrelas. Há uma diferença abissal entre o "não quero" e o "tem que ser". E aí...?
Os olhos de Patrícia eram verdes, azuis, cinzentos. Da cor do mar.
Mas eu sempre gostei de mulheres com olhos castanhos!

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