O teu silêncio gela-me a alma. Eu sei. O
tempo está a chegar ao fim. É a vez do verdadeiro tempo sem tempo. Tudo
o resto não passou dum aguaceiro que só deixou ilusões pelo caminho. Não estou
revoltado. Apenas desiludido, acredita. Agora que o meu saco de missões se esvazia, é tempo de balanço e
sinto que não consegui cumprir, embora
não saiba muito bem o que tinha para cumprir.
É natural
que medite se valeu a pena passar por este mundo em convulsão onde ninguém deu
pela minha presença. Se pudesse revoltar-me, era essa a minha revolta.
Que fiz de
útil?, que fiz de útil sem pensar primeiro nas minhas conveniências?
Ainda há
pouco "jogava xadrez" com damas de negro e amazonas a quem avisava
para fugirem de mim, ao mesmo tempo que lhes pedia para sonharem comigo. Fiz
viagens no tempo sem tempo, sonhei, de olhos bem abertos, com
mulheres de vermelho, comi morangos silvestres, amei olhos tristes.
Mas ajudei quem
devia ajudar?
Talvez
tivesse ajudado quem quis ajudar. O que é diferente.
Amei quem
devia amar?
Só
perguntas. Nenhuma resposta.
Chego triste
ao estuário de uma vida obsessivamente gasta na tentativa vã de agradar ao meu
modelo concecional. Sempre insatisfeito comigo e com os outros. Sem ser livre
para poder justificar todos os erros cometidos. Todo o meu egoísmo.
O teu olhar
não quer dar razão às minhas palavras.
Que faltou
fazer para encontrar o "caminho"?
Fui assim
tão medíocre?
Ah!, esses
olhos... não sei ler neles!
É certo que
perdi-me em meandros de rigor e incertezas enormes. Nem sequer tirei partido da
força de intuição quando o poeta desceu à praça para seduzir a mulher que o homem tentava conquistar.
Foste tu
quem afastou a Madalena (1)?
Depois acomodei-me
no lago de águas paradas. Aí fiquei. Esperando o crepúsculo. E ei-lo. Tento
agora saltar de beiral em beiral procurando, desesperadamente, a andorinha que
há de vir amanhã.
Não vem?
Não vem.
Acredito. És a única testemunha. Talvez a VERDADE. Mas foste cúmplice. Não me
avisaste. Deixaste que as estrelas se apagassem, uma a uma, até que ficou
aquela que nunca foi a minha estrela. Antes um buraco negro me devorasse e
pusesse fim à minha solidão.
O teu olhar
não quer admitir que fui o único culpado.
Queres dizer
que... fomos os dois culpados?, tu e eu?
Já não é
tempo de recuar. Podias ter ensinado a este pobre mortal que havia um
outro caminho. Tive que pagar com ódio, paixão, vingança e arrependimento
todas as lições de viver porque não quiseste iluminar os meus olhos cegos de
tanto seguirem a estrela errada.
Senhora!,
porquê?
O filho que
tens ao colo já sabia o seu destino. Sofreu como ninguém. Sofreu por todos nós.
Mas em vão. Eu também vou sofrendo na minha dimensão. Embora não tivesse feito
nada, acho que fiz o que me deixaste fazer. E se Deus não morou dentro de mim
foi porque não quis.
Quem somos
nós, senão simples mortais?
Quem me dera estar nesse quadro que vejo na minha frente e ser o MENINO que tens ao colo, a olhar, com doçura, o mundo agreste que o rodeia. Depois, descobrir que o meu rio ainda não chegou à foz e adormecer, suavemente, na utopia de acordar amanhã…
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