segunda-feira, 27 de agosto de 2018

A última utopia


Chegou o silêncio dos poderes ocultos e fez-se luz na minha noite longa. Nasceu mais um caminho. Sem asas de gaivota voando em círculo e sem as pegadas que o meu deserto vermelho registou. Mas o caminho nasceu numa cascata seca. As águas ficaram suspensas no ar e os salpicos mancharam-me o rosto. Não sei se são lágrimas de raiva, mas é urgente destruir a cascata e esquecer os fantasmas do passado. É urgente destruir os poderes que brotam da cascata.
O meu caminho é outro e fujo do limiar dos caminhos da vingança. Já não vou sonhar com os olhos tristes da outra que foram o desencanto de ontem e quase me destruíram.
Talvez haja mais luares para iluminarem a minha razão de existir…
Sonho que fujo com uns cabelos longos, soltos ao vento. Mas os nossos tempos não são iguais. Pudesse contar-lhe um segredo e talvez fosse minha a trigueira  de olhos doces que parecem dizer sim aos meus, presos nos seus.
Gela-me o coração. O arco-íris do céu velho de ontem  continua a ser o meu fatalismo. Nos caminhos que passam e onde a vejo passar. Nos cortes da linha fatal. Em tudo o que me faz lembrar o nosso passado.  
Porque não vou conseguir fugir contigo, nos caminhos que se cruzam sei que te vou perdendo, rosa do meu jardim.  E depois... pétalas ao vento. Cabelos longos. Beijos longos. Lonjura. Desencanto. Tristeza. Rio que corre para a foz…
Se o teu destino fosse o preço do amor, teria todo o dinheiro do mundo para seres o meu destino. Mas sem te ter, és a quimera que só custa o dinheiro que não existe. 
Os teus olhos pareciam dizer sim. Olhos muito abertos. De gazela assustada. Olhos que queria beijar mas não podia. Era proibido beijar-te. Só o pensamento dizia que sim. Que um dia vinhas ao meu encontro!
Infelizmente não foi assim porque, acaso tivesses ao meu encontro, partirias dos anos-luz do meu afastamento. 
Ainda sonho com o teu corpo nu que o vestido branco da pureza escondeu. Com as mãos que tomaram as colinas dos teus seios. Sonho que te abraço. E beijo os teus lábios que sabem a morangos silvestres. E... 
Mas… há sempre um mas... 
Já passaste por mim, cabelos soltos ao vento. Longe da órbita do nosso acontecer.
Trigueira que me encantaste, agora que sei que te perdi e que sou de outra mulher que é o meu fatalismo, não sei se posso viver sem ti.
Volta, cabelos soltos ao vento, diz-me que vais voltar! Volta de braços abertos e não tragas lágrimas de tristeza nos olhos. 
Quantos sonhos belos correndo ao meu encontro, correndo, correndo sempre, sem sequer descobrir se foste um sonho e sonhei, se te tive ou não pude ter...
Vem para mim que só eu sei quanto te amei e nunca te disse!

Porque foi...?


Porque foi?,
cabelos longos
trigueira bela...

Era setembro
tempo de amar
como foi ontem
há muito tempo
folhas caídas
rosto tristonho
olhar perdido
olhar distante
sem me alcançar.

Era setembro
fui seu destino
mas partiu cedo.
Novos caminhos
outras paixões.
O fatalismo
foi ter partido
sem um adeus
sem avisar…

Foi em setembro
tempo de amar
que o teu destino
(que já foi meu)
me veio buscar.

Folhas caídas
veio a paixão
num novo amor
a começar.

Olhos nos olhos
trigueira bela
julgo que és minha
rosa em botão.

Olhos nos olhos
o tempo passa
quem não me quer
  adivinho
quem eu não quero
gosta de mim.

Nada pedi...
mas tu disseste
quase em sussurro
para esperar
que amanhã
no meio da tarde
ias voltar.

Fiquei esperando
olhando a porta
entreaberta
mas não chegaste.
Cinco da tarde
tempo a correr
tu a fugir…

Hoje sem ti
pergunto aos astros
pergunto a mim:
Porque foi?,
cabelos longos
trigueira bela...
Porque foi 
que te perdi?

Se eras tu
e te encantava
se eras tu
não te perdia…

Porque foi?,
cabelos longos
riso engraçado...
por que foi 
que não me amaste?


(extraído de "Adeus, utopia")

sábado, 25 de agosto de 2018

O retrato



Foste minha por um dia
dormimos na mesma cama
mas de ti nada sabia
era esse o meu drama.

Quando então adivinhei 
o rubor que te tingiu o rosto
foste tu um mero amor
vivido em luar de agosto?

Não vi a cor dos teus olhos
se eram negros ou castanhos
amores tive-os aos molhos
mas nunca foram tão estranhos.

Procuro uns longos cabelos
sedosos, cor do carvão
uns olhos tristes e belos
que foram a minha ilusão.

Os lábios, frutos silvestres
que beijava com paixão
nem nos dias mais agrestes
mentiam-me ao coração.

Não descobri quem me amou
nem amei sempre quem quis
e quem de mim mais gostou
não foi nem nunca será feliz.

O meu fado é um quebranto
maldição para quem me quer
o meu fado é um desencanto
quando amo uma mulher.

Foi diferente o nosso amor 
sem saber a quem amava                         
paixão que tem mais valor
se com pinceladas a esmo
o teu retrato inventava
enganando-me a mim mesmo.


quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Utopia (2)




Pisquei-te o olho, mas era um jogo de fantasmas num vasto tabuleiro de peças desconhecidas que "conheço" há muito.
Avancei a torre e logo o cavalo fugiu com a amazona para longe... muito longe. Então, decidi sacrificar os peões. Mas estou cercado porque os bispos não me deixam...
A rainha veste de negro. Mira-me, em ar de desafio. Sei o que quer e não caio na teia. O meu jogo é outro. Utopia de amanhã. Quero montar o cavalo da coragem, mas ainda não sou livre. A espera vai ser fatal.
Xeque ao bispo!
Avanço pela certa neste jogo de um só rei. Pincelada aqui, retoque ali, está quase pronto o retrato. Já não reconheço a outra no retrato que mudou.
Foge enquanto é tempo. Foge se tens o tempo contigo. O jogo é longo e a viagem mergulhou pelo universo adentro. Um jogo incoerente com desejos frustrados de poetas malditos, criadores de sonhos e deixando outros sonhos a morrer.
Xeque à rainha! O jogo está a chegar ao fim.
Foge amazona. Solta os cabelos ao vento. Foge enquanto é tempo. Foge que não há futuro neste deserto que te encantou. Monta o cavalo alado e deixa-o ir, universo adentro. Não olhes para trás, mas sonha todos os dias comigo
(1)!

(1) Adeus, utopia

 


quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Desafio total


Fui mais uma vez ao baú das recordações e trouxe à luz do dia uma peça muito estranha. Tratava-se de um texto condensado de uma gravação em direto que foi gerada de um sonho negro que tive. Era um sonho mau. Mais do que um sonho mau. Ainda pensei em rasgar as folhas, mas o espírito conservador ganhou. O meu real e o meu fictício esgrimiram aquilo que podia ter sido “o dia do desafio total”. Não aconteceu por uma unha negra e ainda bem.
O monólogo, vindo de há muitos anos, centrou-se no meu fantasma silencioso que nunca usou lençóis brancos nem correntes.
Dedico este texto especialmente aos descrentes que estão do outro lado da barricada, esperançado que talvez um dia pensem de forma diferente.

Agora, que me libertei momentaneamente de todos os bloqueios, vou dizer-te tudo o que sinto desde que começaram as tuas incursões perturbadoras a este mundo onde o meu rio corria pacata e lentamente, meandro após meandro, para a sua foz.
Como introito, pensando bem, acho que te vou esconjurar e enviar com celeridade para as profundezas do Inferno.
Estou revoltado com tanta mentira à minha volta. Diziam que choravas na sombra, com pena de não me teres tido em vida. A verdade é outra e está a mexer comigo. O certo é que agora não tens razão para interferires na minha vida. Ou vens para o lado de cá e falas comigo, explicando os motivos das tuas incursões rápidas e perturbadoras, ou então vais para as profundezas do Inferno e acredita que nunca mais conseguirás de lá sair.
Não sou o único culpado pelo que aconteceu há anos atrás. Se segui por outros caminhos, não venhas agora deitar culpas em cima de mim. Sabes muito bem que, como eu, também não fizeste o mínimo para lutares por um amor que prometemos ser eterno. Promessa que me faz rir agora.
O teu ciúme doentio destruiu-nos, bem sabes. Tudo não passou de um simples e caso de ciúmes. Fui eu sempre eu quem voltou atrás em casos semelhantes ocorridos, mas dessa vez deixei o tempo correr, implacavelmente, e foi então que seguimos destinos paralelos.
Só mais tarde tomei conhecimento que viraste a tua vida de pernas para o ar ao casares com o homem que mais odiavas.
Poucos anos depois... partiste inesperadamente para “o outro lado da porta”. Sem um adeus. Sem um sinal. 
Os anos passaram. Tive o destino que me calhou na sorte (não quero falar dele) até que voltaste para me atazanar o juízo, não sei com que objetivo, talvez num puro ato de vingança. Não tens razão para interferir, para me armares ciladas. Julgas que me destróis, mas estás enganada! E queres saber uma coisa? Vou ignorar-te se insistires nestes golpes baixos que ameaçam a tranquilidade do meu dia-a-dia. Sai da sombra. O rio da vida tem que seguir o rumo que está traçado.
Sabes que parei numa encruzilhada. Estou a passar um momento crucial e tenho que decidir. Mas tu fica quieta. Já não é o nosso tempo, acredita. Deixa-me ser feliz ou infeliz. Só quero ter paz. Se continuares a interferir, quando tiver de seguir o rumo final de todos os mortais juro que não vou procurar-te. O amor que um dia tive por ti hoje é nada. Mas não se transformou em ódio, como aconteceu contigo.
Começo a ficar cansado dos teus avisos de coisas ruins que vão acontecer.

Para quê?, ser apenas um recetor e não ter a mínima hipótese de interferir para poder evitar as coisas ruins que vão acontecer?
Os objetos mudam de sítio e eu ando desesperado à procura deles. Depois, vou encontrá-los no primeiro local onde estavam. As portas que fechei com cuidado, aparecem abertas de manhã. Os relógios que “falam” misteriosamente. As mulheres de vermelho que só eu vejo. O deus menor que reina contra mim. 
Diz o que queres. Não respondes. Muito bem. Mudança de estratégia. Vou ler-te um poema que escrevi há uns tempos. “O colar de fantasia”. Lembras-te? É uma obra-prima do exorcismo. Devia ter resultado na altura em que o escrevi. Pelos vistos, não. Tens mais força do que pensava. A força do desespero. Talvez resulte.
Pensando melhor, vou ignorar-te. Sai daqui! Vai-te de vez! Aparece só se precisares de ajuda. Acho que precisas de toda a ajuda do mundo, porque te estás enterrando mais no lodo que se esconde na escuridão que te envolve. Mas o teu orgulho é mais forte do que o apelo de todos os pedidos do mundo. Também eu estou desesperado. Tudo falha à minha volta. A vida profissional. O meu prestígio. Tudo se apaga. Lentamente. E tu aproveitas-te deste momento de fraqueza.  Mas olha... nunca vergarei perante ti, nem que esteja abaixo do ínfimo dos ínfimos. Vou ser coerente. Vou seguir sempre as minhas intuições. Alguém disse um dia para seguir as minhas intuições. E eu segui. Sabes muito bem quem foi. A Madalena. Mas tudo se modificou quando as ditas intuições convergiram para ela. Bloqueaste-a. Nunca mais foi a mesma. De um momento para o outro tudo acabou entre nós. E foste tu. Graças a ti entrei de novo num túnel que me gelou a alma!

Nunca fui uma pessoa agressiva, mas contigo... Ah!, se tiver que ser contigo...
Gostava de saber porque é que me odeias. Não dizes. Então, vai para “lá da porta” e não voltes. Também tenho o direito a aspirar por outros voos que não sejam só o voo circular da gaivota que não leva a parte alguma. Quero ir mais longe...
Não sei como é a vida “desse lado”, ou isso de vida. Se é difícil. Se as “pessoas” se veem e como comunicam. Mas não me deixam ir ao teu mundo. 
Estás a ouvir-me?
(Pausa de alguns segundos)
Agora...? (Pausa maior)
Para quê tentar o contacto? É o costume. Escrevo, escrevo e tu ficas a ler, talvez embevecida com as minhas palavras. Se ao menos agradecesses aquela noite que te proporcionei. Lembras-te? Ah!, sim, recordaste o passado. Ouviste o poeta. O mesmo que te procurou (ou foste tu que vieste ao meu encontro?) no olhar doce, irónico e desconcertante da “menina bonita”. Esse mesmo que sacudiste depois que fiquei tão perto de ti. Não percebi qual era a intenção. Foi ela que fugiu ou tu que tiveste ciúmes?
Continuas a não responder, mas acredito que estás aí. Não julgues que me enganas. Foi a ti quem vi naquela tarde de setembro do “tempo sem tempo”. 
Como posso chegar a ti se não te vejo, se não te oiço?
Agora que estamos aqui os dois, frente a frente, e não temos possibilidade de materialização mútua, chegou o momento de decidirmos uma vez por todas.
Vem... num rasto de azul!

«Cuidado, Mário!, não brinques. Estou gelada, ainda não percebeste...?»
«Aleluia! Finalmente! Como nos fantasmas?»
«Eu sou um fantasma.»
«Já me esquecia. Dantes dizias “frio” e eu "fresco”. Mas acontece que agora não está nada fresco. Frio. É o termo apropriado para um cinquentão. Está mesmo muito frio. Olha, agora deu-me vontade de rir...»
«Porquê?»
«Ia a dizer que era melhor irmos para a cama.»
«Já não é a primeira vez nem a segunda...»
«Sim. Desconfiei naquele dia. A cama estava feita do meu lado e não podia ter saído pelo outro. Outra coisa: o rosto?, foste tu que o deixaste gravado no lençol?»
«Nem sempre sou eu...»
«Mas eras...?»
«Outros interferem. Um dia descobrirás. Ou talvez não.»
«O quê?»
«Quando encontrares a chave que abre o segredo.»
«Aquela chave ferrugenta que encontrei...?»
«Pista falsa.»
«Então ajuda-me.»
«...»

De repente senti que nunca houve “desafio total”, ou vontade de a exorcizar. Chamei-a, talvez porque senti uma imensa saudade. Mas ela continuou na sombra. Chorando sem que a ouvisse. Talvez.

Ela sabe que nunca seria capaz de dizer-lhe tudo o que lhe disse!

Evidência

Foi há muito...
Era jovem, irreverente, mas introvertido. O meu mundo estava suficientemente apertado para lá caber só quem eu quisesse. Mas havia sempre espaço para o amor entrar. Havia. Só que trazia consigo uma magia que me trocava as voltas. Quando o amor batia à porta, logo a paixão se antecipava.

Uma vez a paixão vestiu o manto vermelho quando te ofereci uma rosa e um sorriso tímido escondido nas palavras que não disse e te seduziram. Olhaste, admirada, hesitante em aceitar um sorriso diferente dos outros sorrisos que te levaram.
Mas quem era o dono do sorriso?, talvez perguntasses.
O manto vermelho da paixão guardou o momento desse sorriso diferente e pensaste que estava a chegar um novo acontecer. Um amanhecer que nunca tinhas conhecido e que te excitava. Era o tempo do rio fogoso e inconstante que iniciava a sua viagem turbulenta, sem regras, à procura natural da sua afirmação.
Talvez tivesse acontecido no mês de todos os enganos e foi esse o engano. O setembro das promessas vãs.
Foi o começo do tempo da paixão e do estigma do ciúme.
Como estavas bonita com o teu vestido branco nas noites quentes de setembro!
Os teus lábios rubros eram cúmplices arrebatados das noites quentes...
Mas as paixões, como as nossas (e também as outras, porque não dizer?) não eram como as andorinhas que voltam sempre ao mesmo beiral. Longe disso. Abafadas pelo vento suão, acabam por vestir mantos ardentes que se consomem num instante e são cinza fria amanhã.

Fui arquiteto de paixões. Aprendiz de lições mal estudadas. Vivi amores proibidos. Desencantos. Desencontros. Inevitavelmente, coveiro de esperanças perdidas. Poeta que nunca rimou. Beiral de ninhos desfeitos.
Mas num dia cinzento ou azul, tanto fazia, porque havia sempre um dia, vi-te esvoaçar, graciosa, em volta do meu beiral. E logo me encantei porque nesse dia vestias o manto da esperança.
Ah!, a esperança. Coisa vã. Cinismo.
Vinhas de novo esvoaçar no beiral. Queria ver se os teus olhos eram tristes e foi esse o meu erro. Queria sentir o calor do abraço, mas fugiste logo sem dizer porquê. E o poeta dos sonhos ardentes que tinha aberto o manto rubro da paixão, fechou a porta e deixou lá fora a paixão.
Por coincidência ou não, há sempre um amanhã previsto nas estrelas. Um amanhã que revolve os destinos perdidos. 
Mas esse amanhã tardava em chegar.
Depois de muitas viagens inconsequentes, o rio começou a perder a fogosidade dos primeiros tempos. Agora encontrava-se numa planície serena onde podia espraiar, calmamente, os novos atributos, começando a rasgar percursos sinuosos.

Há novos avisos no ar. Paixão ou amor, tanto faz. Talvez amizade. Talvez... É melhor abrir a porta que guarda o manto ardente e procurar sinais que trazem a força de um novo despertar.
Abro a porta e ensaio magia. 
Sorris para mim. És bela e graciosa. Mas no sorriso em que me envolves e nas palavras que teces nasce a dúvida e tarda a certeza.
«Só te dou a minha amizade que o amor está escondido no meu coração que demora a acordar para um novo despertar. Não digo nunca, mas hoje não te amo. Hoje é assim. Amanhã que será será...»
Esse sorriso terno que me mostras contrasta com as palavras que oiço. Não entendo. Quero acreditar que mentes, mas és constante. Nada te faz demover.
«A amizade é real, só real!»
Mas como o nunca continua nunca, todos os dias acordo. Abro a porta para o amor entrar e logo a seguir volto a fechar.
A paixão é mesmo assim... Num dia não, noutro dia sim!

O teu sorriso já é outro porque não podes mais disfarçar. Estás feliz, esperas por mim. Estou feliz, abro-te os braços.  Olho em volta. Estamos sós. Virados para o amanhã. Já sou crepúsculo. Não interessa. Há todo o tempo do mundo no meu crepúsculo. Um ano. Uma vida a correr para um novo amanhecer. 
É mau viver na utopia dos loucos tempos da paixão. Ter que perguntar aos ventos quando é o tempo de voar, sem fim para lá do fim e estar sempre sem chegar...


Novo salto...
Ah... foi bom renascer na tela dos corações caídos. Amar madrugada adentro. Sonhar que abri a porta. Que entraste e sorriste. Que digo sim e dizes sim. Que te abraço e te entregas.
Mas a porta está ainda fechada. Somos os dois à entrada e não há fantasmas cá dentro.

«Tens a certeza que não há fantasmas?»
«Que ideia!»
Ou há?
Hesitas e desespero. A noite não tarda. Já não tenho o tempo comigo. Eu sei. É difícil e fácil. Difícil dizer sim e fácil dizer não.
Só mais um dado. Uma desistência que tardava:
«Não quero mulheres de branco!» 
Quem vou ver depois de atravessar o túnel que tem a luz mais intensa?
E se ninguém estiver à minha espera?

Se tivesse tudo...?



Hoje tive mais um flash. Como dizer? Um daqueles momentos estranhos que me deixaram a pensar se alguma vez seria possível acontecer o sonho que me embalou antes de adormecer.
Esse sonho já vem de trás. Repete-se. Teimosamente.
Se tivesse tudo... dava-te tudo, amor. Dava-te pétalas vermelhas. Uma nuvem densa de pétalas vermelhas para tomarem a forma dos teus desejos. Dava-te pérolas, ouro e rubis; e a pedra filosofal para que nada te faltasse enquanto estivéssemos neste estranho mundo que é o meu. E não ficava por aqui. Com palavras mágicas abria o caminho da felicidade que toda a gente procura e que afinal pode estar numa simples troca de olhares, como acontece naqueles momentos em que nos olhamos de olhos nos olhos, tu vês o brilho intenso do meu olhar e eu digo que tens uns olhos lindos que beijo.
A felicidade, se é que existe, resume-se a momentos e, se assim é, há momentos em que ela está connosco.
E que mais falta para te dar tudo?
Deixa-me pensar. Virá sempre um pouco acrescentado ao pouco que te fui dando todos os dias. Tão pouco que já é muito no tempo que passou desde que o acaso nos uniu e que descobrimos a força que nos une, sempre em crescendo, como dizer?, de malmequer a girassol.
Os dias correm iguais no amor que damos um ao outro. Os dias correm diferentes nos laços de ternura que cada vez mais nos ligam ao mesmo destino. Mas é sempre pouco. Nunca chegará a tudo o que quero para ti. Nunca chegará este pouco que já é mais que muito e que nos traz os tais supostos momentos de felicidade. Momentos cada vez mais prolongados, mas que continuam a ser momentos.
Quando acordo, fico a pensar em ti e assim dou-te mais um pouco do muito que tenho para te dar. 

O tempo corre atrás de nós, implacável, e nós estamos nele, bem vivos, nos beijos longos, nas carícias, na entrega total, nos pensamentos que não revelamos porque são mais rápidos que as palavras, nas frases iguais que nunca se gastam porque são o espelho inquebrável do nosso amor.
Por vezes acordo com a incerteza de estar a viver um sonho e se a realidade vem dele. Mas logo a dúvida se desvanece quando oiço a tua voz a dizer as palavras que nunca me canso de ouvir. É mais um dia a tirar ao resto da nossa vida.

O crepúsculo bem pode esperar. A não ser que as palavras, que tanto me encantam e não me canso de ouvir, não passem de ecos... 

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Obsessivamente (2)


 
 
 
Esta Força estranha
que me aproxima de ti
é o desejo obsessivo
 de te encontrar
buraco negro fatal
ponte para a eternidade
onde obsessivamente
julgo que estás.

Tu obsessivamente desejada
presa na viagem sem regresso

e eu na rota obsessiva de te encontrar
e talvez quem sabe até amar-te
para logo mais uma vez te perder.

Quem nos aproxima 
e logo afasta
tão obsessivamente?

Utopia (1)


 
 
 
 Se fosse livre de pensar em ti
                                             e o pensamento "falasse" de sinais
                                             trocados  olhos nos olhos  sem palavras;
                                             se os olhos descobrissem
                                             a magia do oculto;                              
                                             se a magia abrisse o cofre
                                             e o cofre não fosse buraco negro
                                             estuário de galáxias em fuga;
                                             se as galáxias não fossem ilhas,
                                             miragens dos teus olhos tristes
                                             ou das palavras que não disse...
 
 Se fosse livre
                                             e mágico de galáxias
                                             na mesma rota... 
                                             
                                             ... então, não perdia mais tempo:
 
 Piscava-te o olho
                                             montava o cavalo da coragem
                                             e fugia contigo!

Ausências


O

 amor de ontem, hoje ausente, talvez espreite na noite escura do outro lado da porta, quiçá num mundo paralelo mas inatingível. Talvez. Ninguém pode ter a certeza. Nem eu nem ninguém pode admitir se o teu afastamento significa ausência. Uma coisa é afastamento. Outra, mais radical, ausência.
Sendo assim, onde moras?
Recados. Memórias. Fragmentos. Só há uma resposta: silêncio.
E se o teu corpo sem vida renascesse amanhã do frio da solidão?
Ri, cadáver. Eu sei que só uma vez aconteceu e estava já determinado que acontecesse. Um plano sem falhas.

Afasto esta hipótese e dou lugar à especulação amorosa.
Por vezes, mas só por vezes, sonho que estás presente e é a vez do tempo sem tempo mostrar-me tal como eras. Sei que isto não passa de uma alucinação, esta sem objeto físico para a provocar. 
Então penso em túlipas, rosas, malmequeres, ou outras flores. Sei que é uma provocação chamar ao palco símbolos de passados sequentes. Apesar de tudo, permanecem os sinais, como a tristeza e a terra onde os vermes imperam.
E é aí que te encontro. Onde já não és e, portanto, não estás.
Mas se Deus quisesse nada teria acontecido como Ele quis que acontecesse, porque nada lhe escapa, pois está Omnipresente, não é verdade?
Então e a alma?
Um dia, alguém disse que nunca a encontrou debaixo do seu bisturi. Nem ao lado. Nem algures. Lógico. A alma é imaterial e imortal. Mas quando a procuramos, não sabemos onde mora. Tal qual como o eletrão. Mas existe.
Somos caminheiros errantes, perdidos nas terras que pisamos. Desenraizados. Desencantados. Desencontrados. Às vezes, cruzamo-nos à distância de estender o braço mas não ganhamos o momento porque já foi.
Estamos de passagem. Também acontece com as galáxias que, por força da existência da energia negra, não têm amanhã. As suas estrelas vão-se apagando, uma a uma. Fatalmente.
Mas isso vai acontecer daqui a muitos milhões de anos e é o que menos me interessa. Há uma interrogação bem mais premente, já que Alguém assiste, impávido e sereno a um estado de coisas que precisavam de uma "mão". Talvez até sorria quando os entendidos contrapõem a hipótese da existência de universos paralelos. Uns a chegarem ao fim e outros a nascerem. Até um dia.
Talvez num desses universos o meu futuro esteja a ser diferente. Ou em muitos outros.
Que importa também?, contraponho. Só queria voltar atrás, nem que fosse óbvio que voltava para errar outra vez. Óbvio ou não, afinal queria saber onde estaria (ou estará) o tal mundo que eu e ela jurámos ter só para nós e tentar descobrir porque foi que o perdemos de vista, assim tão de repente.
A propósito...
E Deus...?, 
será que existe?
Tenho dúvidas, muitas dúvidas, não só para este gesto de ilusionismo que fez esconder o que era óbvio para nós e abortar, quase à nascença, a vivência nesse tal mundo maravilhoso.
Se Deus existisse, já Cristo estaria cá outra vez e usando outros argumentos, pois que os primeiros falharam. E tanta falta faz!


Ou estamos numa "bolha" prestes a rebentar?
Teimando em estar de volta... se Deus existisse, estavas ao meu lado e falavas comigo.
Mas a realidade é o que é, mesmo que seja cruel admitir. E assim, a esse  respeito só eu ainda falo contigo à minha maneira. E com Ele já desisti de falar.
Admitindo o contraditório, suponhamos que existe. Mesmo que Ele não fale comigo, o que mais gostava que acontecesse já teve há muito o seu ponto final quando Ele, dedicado a tarefas maiores, um certo dia enviou ao meu encontro o deus menor que só destruiu à minha volta!


segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Poeta não sou...




O poeta mentiu
com a magia das palavras
que te encantaram
e o homem sem magia
desnudou a alma
mas não disse poesia.

Viste o poeta
e não o homem
que tentou viver
a paixão escondida.
E se assim foi
poeta não sou.

Dá-me a alegria
dos teus olhos
e esquece o poeta
que te encantou.

Porque poeta não sou
e não viste o homem.

O que está cá dentro 
é a última porta
por onde o homem
pode chegar a ti...