Foi há
muito...
Era jovem, irreverente, mas introvertido. O meu mundo estava suficientemente
apertado para lá caber só quem eu quisesse. Mas havia sempre espaço para o amor
entrar. Havia. Só que trazia consigo uma magia que me trocava as voltas. Quando
o amor batia à porta, logo a paixão se antecipava.
Uma vez a paixão
vestiu o
manto vermelho quando te ofereci uma rosa e um
sorriso tímido escondido nas palavras que não disse e te
seduziram. Olhaste,
admirada, hesitante em aceitar um sorriso diferente dos outros sorrisos que te
levaram.
Mas quem era o dono do sorriso?, talvez perguntasses.
O manto vermelho da paixão guardou o momento desse sorriso diferente e pensaste
que estava a chegar um novo acontecer. Um amanhecer que nunca tinhas conhecido
e que te excitava. Era o tempo do rio fogoso e inconstante que iniciava a sua viagem
turbulenta, sem regras, à procura natural da sua afirmação.
Talvez tivesse acontecido no mês de todos os enganos e foi esse o engano. O setembro das promessas vãs.
Foi o começo do tempo da paixão e do estigma do ciúme.
Como estavas bonita com o teu vestido branco nas noites quentes de setembro!
Os teus lábios rubros eram cúmplices arrebatados das noites quentes...
Mas as paixões, como as nossas (e também as outras, porque não dizer?) não eram
como as andorinhas que voltam sempre ao mesmo beiral. Longe disso. Abafadas
pelo vento suão, acabam por vestir mantos ardentes que se consomem num instante
e são cinza fria amanhã.
Fui arquiteto de paixões. Aprendiz de lições mal estudadas. Vivi amores
proibidos. Desencantos. Desencontros. Inevitavelmente, coveiro de esperanças
perdidas. Poeta que nunca rimou. Beiral de ninhos desfeitos.
Mas num dia cinzento ou azul, tanto fazia, porque havia sempre um dia, vi-te
esvoaçar, graciosa, em volta do meu beiral. E logo me encantei porque nesse dia
vestias o manto da esperança.
Ah!, a
esperança. Coisa vã. Cinismo.
Vinhas de novo esvoaçar no beiral.
Queria ver se os teus olhos eram tristes e foi esse o meu erro. Queria sentir o
calor do abraço, mas fugiste logo sem dizer porquê. E o poeta dos sonhos
ardentes que tinha aberto o manto rubro da paixão, fechou
a porta e deixou lá fora a paixão.
Por coincidência ou não, há sempre um amanhã previsto
nas estrelas. Um amanhã que revolve os destinos
perdidos. Mas esse
amanhã tardava em chegar.
Depois de muitas viagens inconsequentes, o rio começou a perder a fogosidade
dos primeiros tempos. Agora encontrava-se numa planície serena onde podia espraiar,
calmamente, os novos atributos, começando a rasgar percursos sinuosos.
Há novos
avisos no ar. Paixão ou amor, tanto faz. Talvez
amizade. Talvez... É melhor abrir a porta que guarda o manto ardente e procurar
sinais que trazem a força de um novo despertar.
Abro a porta e ensaio magia. Sorris para
mim. És bela e graciosa.
Mas no sorriso em que me envolves e nas palavras que
teces nasce a dúvida e tarda a certeza.
«Só te dou a minha amizade que o amor está escondido
no meu coração que demora a acordar para um novo
despertar. Não digo nunca, mas hoje não te amo. Hoje
é assim. Amanhã que será será...»
Esse sorriso terno que me mostras contrasta com as
palavras que oiço. Não entendo. Quero acreditar que mentes,
mas és constante. Nada te faz demover.
«A amizade é real, só real!»
Mas como o nunca continua nunca, todos os dias acordo.
Abro a porta para o amor entrar e logo a seguir volto a fechar.
A paixão é mesmo assim... Num dia não, noutro dia sim!
O teu sorriso já é outro porque não podes mais
disfarçar. Estás feliz, esperas por mim. Estou
feliz, abro-te os braços. Olho em volta. Estamos sós. Virados para o amanhã.
Já sou crepúsculo. Não interessa. Há todo o tempo
do mundo no meu crepúsculo. Um ano. Uma vida a correr para um novo amanhecer.
É mau viver na utopia dos loucos tempos da paixão.
Ter que perguntar aos ventos quando é o tempo de voar,
sem fim para lá do fim e estar sempre sem chegar...
Novo salto...
Ah... foi bom
renascer na tela dos corações caídos. Amar madrugada adentro. Sonhar que abri a
porta. Que entraste e sorriste. Que digo sim e dizes sim. Que te abraço e te
entregas.
Mas a porta está ainda fechada. Somos os dois à entrada e não há fantasmas cá dentro.
«Tens a certeza
que não há fantasmas?»
«Que ideia!»
Ou há?
Hesitas e
desespero. A noite não tarda. Já não tenho o tempo
comigo. Eu sei. É difícil e fácil. Difícil dizer sim e fácil dizer não.
Só mais um dado.
Uma desistência que tardava:
«Não quero
mulheres de branco!»