quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Utopia (6)

 




No tempo em que te via a correr no tempo sem tempo,
cabelos soltos ao vento, correndo, correndo, correndo, abrias os braços ao longe e parecia que vinhas ao meu encontro. Parecia. Um erro grosseiro de cálculo, pois só nos sonhos aconteceu. Em má verdade passaste por mim, gazela de olhos espantados. Passaste por mim e seguiste o teu caminho.
Quando te via a correr na minha direção, sorrindo, a culpa era dos deuses pois diziam-me que sim, que estavas a correr ao meu encontro. E a verdade era outra. Nem sequer olhavas para mim. 
Então, pus-me a pensar: "se o branco me arrefece e o vermelho é má sina... o azul me entorpece, o preto me entristece, só o verde me satisfaz." 
Verde é o sinal. Mas o tempo não volta atrás. 

Quem me dera voltar ao tempo desse tempo em que eras trigueira!
Hoje vejo-te pálida. Sozinha, deitada na cama, sonhas com o passado perdido. A culpa foi minha, ou das palavras que não consegui dizer quando te peguei na mão e ouvi-te suspirar. A culpa foi minha porque nem sequer apertei a tua mão macia. E assim o amor fugiu. Num momento o destino muda. Basta um momento.
Ah!, se eu pudesse enganar o presente, sem colares de fantasia nem maldições destinadas, sem cardos de flores azuis nem rosas brancas e frias...
 Fomos jovens e já esquecemos que o amor é uma coisa estranha. É fatal quando se entranha e só se ama uma vez! 
Sim. É um amor estranho porque não envelhece. Mas, ao mesmo tempo, um amor que nos entristece pois aconteceu no tempo que já passou e não volta. 
Agora sonhas comigo e sou teu; sonho contigo e és minha. Assim, se ainda ontem me perdeste já não posso acreditar que amanhã, querida utopia, num segundo seremos jovens, porque o tempo que então passou não durou um só segundo no tempo que já vivemos.

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