A dama que veste de negro teima em manter-se oculta. Assim, não sei donde partem os seus ataques. Preferia que tudo fosse como dantes. Preferia ver a dama de negro a atacar, nem que fosse mesmo em cima do momento e a defesa se tornasse mais difícil.
A dama está a fazer batota. Como sempre fez, aliás, neste jogo de xadrez, jogo de um só rei e de muitas rainhas, em que as roupagens que exibe são diversas e provocam também diversas reacções. Os sorrisos são sempre simpáticos, só que não consegue disfarçar o olhar. É no olhar que a apanho, para logo fugir, apavorada não sei porquê.
A dama que veste de negro disfarça sempre a idade. Parece que gosta de parecer mais jovem. Porquê? Diria, capricho de mulher. Neste caso, digo... feitiço de mulher, ou isso de mulher.
Conheço todos os seus disfarces. Também não admira. Há uma eternidade que os dois jogamos num tabuleiro de quadrados pretos e brancos o jogo de um só rei e uma só rainha dentro de muitas rainhas. Começo a gostar do jogo. Ela acaba sempre por bater em retirada, depois de mostrar quem está por detrás da máscara.
Por vezes, veste-se de castanho. Um belo vestido castanho com um decote discreto, enfeitado por uma rosa negra. É insinuante, simpática, meiga, discreta. Deixo sempre levar-me porque gosto. Os seus dons paranormais atraem-me. A igreja onde me leva tem cânticos que gosto de cantar, tem mistérios que gosto de descobrir, e principalmente, existem momentos em que apertamos as mãos com força e eu convenço-me que a dama é já praça conquistada. Engano o meu. Quando saímos da igreja, ela foge e volta tudo ao princípio. Outras vezes, almoçamos juntos e acontecem coisas que me deixam a pensar, coisas como outros olhos por detrás dos olhos dela. Então, de olhos nos olhos, apaixonados, somos levados para outra dimensão. Quem me dera não voltar!
Outras vezes, a dama de negro aparece vestida de vermelho e lembra-me a paixão do tempo das rosas. Nessa altura pergunto aos outros que estão comigo:
«Viram a mulher de vermelho?»
Ninguém viu a mulher de vermelho porque só eu a vi. Calo-me muito bem calado, não vão pensar que estou com alucinações. Felizmente que ela aparece poucas vezes, pois sinto que me perturba.
Ainda por vezes, a dama gosta de vestir de branco. Não de noiva. Mas com um vestido simples, muito alvo, rosto triste, cabelos castanhos, compridos, apanhados em rabo-de-cavalo. Os seus olhos também castanhos e tristes são a minha perdição. Fico rendido e vou atrás deles, até que me perco na realidade de já não serem. Todos os que me conhecem sabem como se chama.
Nunca aparece vestida de azul. Sabe que eu sou do azul e ela, pérfida como é, nunca poderá ser do azul. Só uma vez a vi vestida de azul e logo foi levada pelo vento em nuvens de pó branco, destruidor, fatalmente destruidor.
E quando veste de verde?
A dama que veste de negro disfarça sempre a idade. Parece que gosta de parecer mais jovem. Porquê? Diria, capricho de mulher. Neste caso, digo... feitiço de mulher, ou isso de mulher.
Conheço todos os seus disfarces. Também não admira. Há uma eternidade que os dois jogamos num tabuleiro de quadrados pretos e brancos o jogo de um só rei e uma só rainha dentro de muitas rainhas. Começo a gostar do jogo. Ela acaba sempre por bater em retirada, depois de mostrar quem está por detrás da máscara.
Por vezes, veste-se de castanho. Um belo vestido castanho com um decote discreto, enfeitado por uma rosa negra. É insinuante, simpática, meiga, discreta. Deixo sempre levar-me porque gosto. Os seus dons paranormais atraem-me. A igreja onde me leva tem cânticos que gosto de cantar, tem mistérios que gosto de descobrir, e principalmente, existem momentos em que apertamos as mãos com força e eu convenço-me que a dama é já praça conquistada. Engano o meu. Quando saímos da igreja, ela foge e volta tudo ao princípio. Outras vezes, almoçamos juntos e acontecem coisas que me deixam a pensar, coisas como outros olhos por detrás dos olhos dela. Então, de olhos nos olhos, apaixonados, somos levados para outra dimensão. Quem me dera não voltar!
Outras vezes, a dama de negro aparece vestida de vermelho e lembra-me a paixão do tempo das rosas. Nessa altura pergunto aos outros que estão comigo:
«Viram a mulher de vermelho?»
Ninguém viu a mulher de vermelho porque só eu a vi. Calo-me muito bem calado, não vão pensar que estou com alucinações. Felizmente que ela aparece poucas vezes, pois sinto que me perturba.
Ainda por vezes, a dama gosta de vestir de branco. Não de noiva. Mas com um vestido simples, muito alvo, rosto triste, cabelos castanhos, compridos, apanhados em rabo-de-cavalo. Os seus olhos também castanhos e tristes são a minha perdição. Fico rendido e vou atrás deles, até que me perco na realidade de já não serem. Todos os que me conhecem sabem como se chama.
Nunca aparece vestida de azul. Sabe que eu sou do azul e ela, pérfida como é, nunca poderá ser do azul. Só uma vez a vi vestida de azul e logo foi levada pelo vento em nuvens de pó branco, destruidor, fatalmente destruidor.
E quando veste de verde?
Lançam-se os olhos na distância, levando-me a acreditar que outros tempos virão em que a esperança me cobrirá com o seu manto diáfano, projectado apenas para o meu mundo das utopias. Com essa mulher não posso ir porque já aconteceu uma vez que não tive coragem para montar o cavalo da coragem.
Mas o negro é a sua cor preferida e fatal. Quando veste de negro e vem também de cabelo negro, apanhado, muito pintada, elegante, artificial, com o rótulo da sua própria identidade e que não esconde, tão certa está de vencer. Todos a adulam, a princípio. Mas quando diz ao que vem, logo se afastam e olham à distância, receosos. Ela sorri e torna-se irresistível, fatalmente irresistível. Rendidos, deixam que se aproxime. Ela convida-os, oferece-lhes o braço, e lá vão eles, para nunca mais voltarem.
Já me tem procurado. Muito sedutora. Muito mulher. Mas não vou com ela. Tenho o dom de a ver como é: lívida, disforme, hálito fedorento. Dizem que os meus olhos despem. É verdade. Mas noutro sentido, neste caso. Dispo-a com os olhos e vejo-a transparente, oca. Nada fica senão um odor forte a enxofre.
Sei que vai levar-me um dia. E anda perto esse dia. O perigo parece rondar-me, mas eu rio descaradamente na sua frente e desafio-a. O rosto torna-se ainda mais disforme, os caninos aguçam o apetite e os olhos reluzem de gozo. Tenho as costas quentes, pois sei que ainda não chegou o momento. Sei que o saco de missões não vai esvaziar-se assim tão depressa. Mas ela insiste. A sua lividez extrema causa-me asco. Cuspo-lhe na cara ou naquilo de cara. Ela recua e olha-me de soslaio, exibindo o seu sorriso número dois, agora de hiena. É altura de começarmos um novo jogo. Entusiasmo-me e avanço, decidido, com todos os peões. Perante o arrojo da jogada, ela parece hesitar. Não está a atingir onde quero chegar. Joga com o bispo em diagonal e eu respondo com a torre, em frente, protegendo os peões, ao mesmo tempo que a ponho em cheque. Está intrigada com tanta resistência. Sim, os cavalos. São as peças seguintes.
Mas o negro é a sua cor preferida e fatal. Quando veste de negro e vem também de cabelo negro, apanhado, muito pintada, elegante, artificial, com o rótulo da sua própria identidade e que não esconde, tão certa está de vencer. Todos a adulam, a princípio. Mas quando diz ao que vem, logo se afastam e olham à distância, receosos. Ela sorri e torna-se irresistível, fatalmente irresistível. Rendidos, deixam que se aproxime. Ela convida-os, oferece-lhes o braço, e lá vão eles, para nunca mais voltarem.
Já me tem procurado. Muito sedutora. Muito mulher. Mas não vou com ela. Tenho o dom de a ver como é: lívida, disforme, hálito fedorento. Dizem que os meus olhos despem. É verdade. Mas noutro sentido, neste caso. Dispo-a com os olhos e vejo-a transparente, oca. Nada fica senão um odor forte a enxofre.
Sei que vai levar-me um dia. E anda perto esse dia. O perigo parece rondar-me, mas eu rio descaradamente na sua frente e desafio-a. O rosto torna-se ainda mais disforme, os caninos aguçam o apetite e os olhos reluzem de gozo. Tenho as costas quentes, pois sei que ainda não chegou o momento. Sei que o saco de missões não vai esvaziar-se assim tão depressa. Mas ela insiste. A sua lividez extrema causa-me asco. Cuspo-lhe na cara ou naquilo de cara. Ela recua e olha-me de soslaio, exibindo o seu sorriso número dois, agora de hiena. É altura de começarmos um novo jogo. Entusiasmo-me e avanço, decidido, com todos os peões. Perante o arrojo da jogada, ela parece hesitar. Não está a atingir onde quero chegar. Joga com o bispo em diagonal e eu respondo com a torre, em frente, protegendo os peões, ao mesmo tempo que a ponho em cheque. Está intrigada com tanta resistência. Sim, os cavalos. São as peças seguintes.
Mas onde está o tal rei que a domina?
Olho para o enorme tabuleiro ao vivo, onde estão as peças todas, e sacrifico o primeiro peão. Ela cai na ratoeira e devora o peão, avidamente. A baba escorre-lhe pelo queixo.
Há feromonas no ar. Não por causa dela (lógico!), mas porque está uma mulher a passar, altiva, com ar egípcio, arrastada por uma nuvem de pó branco que foi a sua perdição.
Há feromonas no ar. Não por causa dela (lógico!), mas porque está uma mulher a passar, altiva, com ar egípcio, arrastada por uma nuvem de pó branco que foi a sua perdição.
Chamava-se Esfinge e nunca foi do azul, recapitulo.
Um dia profanou o meu laboratório secreto, onde os ácidos e as bases purificavam a essência. Mas foi castigada pela maldição do pó branco e eu não pude ou não quis ajudá-la.
Preciso de sacrificar um segundo peão. Não está saciada. Quer mais. Uma torre por um bispo. Aceito. Avança então na minha direção uma jovem montada num cavalo branco, trigueira, cabelos soltos ao vento, olhos espantados de gazela. Fico a vê-la, deslumbrado. Vai parar? Não, não vai parar. Trazia vestido o verde da esperança, mas partiu para a utopia de amanhã. Não parou porque não acenei. Mas agora tenho outros trunfos e com estes com vencer!
Que vejo...?
Preciso de sacrificar um segundo peão. Não está saciada. Quer mais. Uma torre por um bispo. Aceito. Avança então na minha direção uma jovem montada num cavalo branco, trigueira, cabelos soltos ao vento, olhos espantados de gazela. Fico a vê-la, deslumbrado. Vai parar? Não, não vai parar. Trazia vestido o verde da esperança, mas partiu para a utopia de amanhã. Não parou porque não acenei. Mas agora tenho outros trunfos e com estes com vencer!
Que vejo...?
O mar que acalmei. O mesmo mar que a tantos, tantos fez naufragar. O mar que fica sereno, a escutar-me. Olho nas distâncias que os sentidos não alcançam. Está nevoeiro, mas posso passar. É só um instante. O tempo do tempo sem tempo. É só um instante mas a dama está atenta. Ri de escárnio.
Que se passa?
Mudou de vestido. Agora veste outra vez de negro e hesito. Sinto o perigo. Não posso levá-la ao altar. Os bispos são sinal de proibição.
Que fazer?, sacrifico outro peão?
Só restam dois e ela leva vantagem. A jogada seguinte é uma troca de torres. Acho razoável. E de cavalos. Já não servem. A amazona fugiu de vez do seu anjo-da-guarda. Anjo-da-guarda! A rainha que veste de negro estremeceu. Encontrei-lhe o fraco. Deixou o último bispo à minha mercê e fugiu para o canto oposto do tabuleiro. Vou encurralá-la. Para a frente com os últimos peões!
Nesta luta dum só rei, o tabuleiro ficou vazio. A mulher que vestia de negro desapareceu e um peão fez rainha ao atingir o fundo do tabuleiro. Esta veste um roupão vermelho e sinto feromonas no ar. Dá pequenas passadas, elegantes, altivas, na minha direcção. Passadas de leoa que é na direção de um leão que sou. Uma alma gémea que encontrei mas que também nunca foi do azul. Sei o que vai fazer e não me engano. Abre o roupão e sorri. Depois, deixa cair o roupão.
Nesta luta dum só rei, o tabuleiro ficou vazio. A mulher que vestia de negro desapareceu e um peão fez rainha ao atingir o fundo do tabuleiro. Esta veste um roupão vermelho e sinto feromonas no ar. Dá pequenas passadas, elegantes, altivas, na minha direcção. Passadas de leoa que é na direção de um leão que sou. Uma alma gémea que encontrei mas que também nunca foi do azul. Sei o que vai fazer e não me engano. Abre o roupão e sorri. Depois, deixa cair o roupão.
O tabuleiro de xadrez é agora uma cama imensa que ontem esteve vazia. Estamos de pé. A nudez erótica do seu corpo enche-me de desejo e a cama, num instante, enche-se de amor. Ou uma paixão louca e insaciável. Não sei. Paixão ou amor, tanto faz...
Entre a madrugada e a manhã, adormecemos, muito juntos, talvez felizes de estarmos em mais uma imitação de vida a dois.
Mas há sempre um acordar. Um acordar desencantado. De novo numa cama vazia e tendo cada vez mais de perto a inevitável dama do vestido negro.
Mas há sempre um acordar. Um acordar desencantado. De novo numa cama vazia e tendo cada vez mais de perto a inevitável dama do vestido negro.
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