Quem era o homem que um dia chamaste à ribalta dos teus sonhos?
Não te lembras...
E será que te lembras do poeta que te encantou?
Não te lembras...
E será que te lembras do poeta que te encantou?
Esse sorriso quer dizer muito. Lamento. Foi um absurdo desviares o destino, fugires do homem e acolheres o poeta sedutor e intemporal que te fez sonhar. Sabes?, ele só está de passagem e amanhã partirá para outros desígnios. É injusto, pois é. Não sabias? Ele é assim. Mas eu estou aqui. Acredita que o homem que ignoraste teria todo o tempo para ti. Vais esperar por ele? O outro homem não existe. É um poeta.
Mas escuta. Quando acordares sem as palavras do poeta que te encantou, é também tarde para procurares o homem que, fatalmente, perdeste.
O homem também está de passagem?
Talvez. Mas por outro motivo. Prepara-se para fugir da teia com que tentaste envolvê-lo. Era um golpe perfeita, Madalena. Apostaste e perdeste.
Precisei de usar muitos subterfúgios para finalmente a Madalena não faltar ao compromisso ao qual vinha fugindo há uns tempos.
Desta vez foi ela quem escolheu o restaurante. Não ficava muito longe do nosso local de trabalho. Logo à entrada, havia uma passagem estreita e depois desciam-se umas escadas em caracol. Enquanto descia as ditas escadas, o meu pensamento centrava-se numa decisão em que, mal fosse tomada, não podia voltar atrás, embora soubesse que ia deitar tudo a perder. Eu era assim. Ou tudo ou nada.
Escolhi uma mesa recatada no fundo da sala. Deixei que se sentasse, olhei em volta e só depois me sentei.
«Você tem todo o ar de Escorpião, Mário. Quis ter a certeza que estava em segurança.»
«Lamento desiludi-la. Sou Leão.»
«Bem sei.»
«Leão-Dragão...»
«Oh!»
«Não se assuste. Sou protetor.»
Escolhi uma mesa recatada no fundo da sala. Deixei que se sentasse, olhei em volta e só depois me sentei.
«Você tem todo o ar de Escorpião, Mário. Quis ter a certeza que estava em segurança.»
«Lamento desiludi-la. Sou Leão.»
«Bem sei.»
«Leão-Dragão...»
«Oh!»
«Não se assuste. Sou protetor.»
«Ah!, fico mais descansada.»
Depois de uma conversa superficial de signos, motivada pelo diálogo que então tínhamos trocado, não perdi a oportunidade para apalpar o terreno movediço subjacente e tentar saber se de facto sentia que a lua a condicionava, como a vidente afirmou. Para grande surpresa minha confirmou que a lua lhe bloqueava, e muito, os impulsos. Impulsos. Que impulsos? Fiquei a sonhar.
«Mas considero-me uma mulher livre.»
Nesse momento lembrei-me dum comentário jocoso da boazona da Marta. Com essa mulher teria ido para a cama se ela não tivesses apresentado a amiga.
«A Madalena ter vergonha? Não a conhece, doutor...»
Este comentário vinha reforçar uma ideia que começava a configurar-se no meu horizonte das suposições. Essa mulher era mais livre do que eu supunha. Mas valia ainda a última tentativa para encontrar uma solução para o nosso caso.
Nos minutos que se seguiram, a conversa decorreu dentro da normalidade. Disse-lhe que os meus projetos literários tinham entrado num beco sem saída e que os outros, os ditos profissionais, parecia que voltavam à primeira forma. Ia regressar à base. Deixava, de todo em todo de dar a colaboração ao Projeto. Mas naquele dia estava ali para a ouvir. Pela primeira vez queria ouvi-la.
Depois de uma conversa superficial de signos, motivada pelo diálogo que então tínhamos trocado, não perdi a oportunidade para apalpar o terreno movediço subjacente e tentar saber se de facto sentia que a lua a condicionava, como a vidente afirmou. Para grande surpresa minha confirmou que a lua lhe bloqueava, e muito, os impulsos. Impulsos. Que impulsos? Fiquei a sonhar.
«Mas considero-me uma mulher livre.»
Nesse momento lembrei-me dum comentário jocoso da boazona da Marta. Com essa mulher teria ido para a cama se ela não tivesses apresentado a amiga.
«A Madalena ter vergonha? Não a conhece, doutor...»
Este comentário vinha reforçar uma ideia que começava a configurar-se no meu horizonte das suposições. Essa mulher era mais livre do que eu supunha. Mas valia ainda a última tentativa para encontrar uma solução para o nosso caso.
Nos minutos que se seguiram, a conversa decorreu dentro da normalidade. Disse-lhe que os meus projetos literários tinham entrado num beco sem saída e que os outros, os ditos profissionais, parecia que voltavam à primeira forma. Ia regressar à base. Deixava, de todo em todo de dar a colaboração ao Projeto. Mas naquele dia estava ali para a ouvir. Pela primeira vez queria ouvi-la.
Ena verdade ouvi-a. Pouco ou nada disse, mas o suficiente para ficar alerta. Coisa simples. Tencionava montar um negócio.
«Um negócio?» perguntei-lhe, ao mesmo tempo que escudava-me em terrenos seguros.
Disse-lhe para pensar bem. Não devia trocar o certo pelo incerto. Enfim, tentei demovê-la da aventura perigosa em que ia meter-se. Ao mesmo tempo que lhe fazia ver que era a pior opção que podia tomar, falei-lhe numa que tinha tomado e que nunca apresentou resultados positivos.
«Já não acredito nos sonhos do dinheiro fácil. Tenho várias sociedades de totoloto de que faço a gestão e estou a apostar forte porque tudo somado é o que sabemos. Sabe, temos muitos prémios, mas só um grande compensa o investimento.»
Espantou-me ouvir o seu comentário:
«E é a trabalhar que vai conseguir, Mário?»
«Sei muito bem» olhei com atenção para o seu rosto. «Deve ter cuidado com os gatos. Esse arranhão quase que lhe atingiu a vista! Foi um gato, não foi?»
Confessou que gostava muito do gato, mas era um bichano estranho.
«Mas não me disse que agora só tem um cão?»
«Um negócio?» perguntei-lhe, ao mesmo tempo que escudava-me em terrenos seguros.
Disse-lhe para pensar bem. Não devia trocar o certo pelo incerto. Enfim, tentei demovê-la da aventura perigosa em que ia meter-se. Ao mesmo tempo que lhe fazia ver que era a pior opção que podia tomar, falei-lhe numa que tinha tomado e que nunca apresentou resultados positivos.
«Já não acredito nos sonhos do dinheiro fácil. Tenho várias sociedades de totoloto de que faço a gestão e estou a apostar forte porque tudo somado é o que sabemos. Sabe, temos muitos prémios, mas só um grande compensa o investimento.»
Espantou-me ouvir o seu comentário:
«E é a trabalhar que vai conseguir, Mário?»
«Sei muito bem» olhei com atenção para o seu rosto. «Deve ter cuidado com os gatos. Esse arranhão quase que lhe atingiu a vista! Foi um gato, não foi?»
Confessou que gostava muito do gato, mas era um bichano estranho.
«Mas não me disse que agora só tem um cão?»
Apanhada em falso?
«É do meu sobrinho.»
Sorriu. Não se deixava apanhar em falso com duas cantigas.
«Está certo. E que mais? A Madalena não tem outros projetos?»
«Outros?»
«Sonhos...»
«Ah sim.»
Foi a minha vez de sorrir. Fiquei na expectativa.
«Já escolheram?»
Era o empregado.
«Madalena?»
«O cabrito assado daqui é muito bom.»
«Então o mesmo para mim.»
«E para beber?» perguntou o empregado.
«Reguengos tinto.»
«Reserva?»
«Sim.»
O empregado afastou-se.
«Os sonhos... Madalena.»
«O vinho não é caro?»
«Hoje não dividimos ao meio. Fui eu quem fez o convite.»
«E eu escolhi o restaurante.»
«Importa-se...?»
«Obrigada.»
Encolheu os ombros. Só sonhava quando dormia. Nada mais tinha para contar. A sua vida era simples. Gostava mais de ouvir.
Sabia que era um sinal de defesa.
«Então vou continuar a falar.»
«Por que motivo vai desistir do Projeto?»
«Para mim está morto. Prefiro continuar a dar aulas, Madalena.»
«Vão sentir a sua falta.»
«Ninguém é insubstituível. Já têm contabilistas, os malabaristas das contas. Bem vão precisar de milagres.»
«Acha?»
«E se falássemos de outra coisa. Por exemplo, do negócio que tem em mente.»
«Trapos. Preciso dum sócio que me financie.»
Era do que estava à espera.
Já comíamos o cabrito, uma vez que era prato do dia. Enchi-lhe o copo.
«É um delicioso néctar, mas cuidado que tem grau.»
«Obrigada por avisar-me. Não passarei de um copo.»
Então ela precisava de um sócio...
Indiretamente estava a fazer-me um convite, já que não tinha coragem para o fazer com frontalidade. Medi os prós e os contras e decidi logo que não iria por ali. Financiando o negócio, mais tarde ou mais cedo tinha-a nos meus braços. Por outro lado, alimentar um saco sem fundo ia sair-me muito caro. Assim, fingi ignorar o convite disfarçado e preparei o assalto final. Ou tudo ou nada.
Não me contive e disse o que sentia por ela, o que desejava para nós e o que faria e não faria, caso aceitasse a minha proposta.
No fundo, bem no fundo, o que queria?
Uma vida a dois.
Abriu muito os olhos, aparentemente surpreendida. E eu continuei falando. Falando para lá dos limites razoáveis. Sempre fui assim. Nunca gostei do meio termo. No meio termo residia a dúvida.
Praticamente não reagiu. Tinha sido apanhada desprevenida. E eu continuei falando, mais agressivo e zangado do que nunca, à medida que dava conta que ela acenava negativamente com a cabeça. A surpresa foi talvez uma tática dela. Nunca dera conta. Jurava.
«E os poemas... ?»
«Você é um poeta, Mário! Achei graça. Até gosto muito dos seus poemas.»
«Só?»
«Sim» fixou o olhar em mim. «Nunca o vi como um homem na minha vida. Até porque estou noutra.»
«Está? Não parece...»
«Olhe, Mário, já vivi uma vez com um homem e acredite que sofri muito. Agora sou uma pessoa livre e quero continuar assim.»
«Mas não disse que está noutra?»
«E não desminto. É uma relação temporária. Sem importância. Não, não quero voltar a envolver-me.»
Provavelmente um sócio. Um amante-sócio.
«O raio que a parta!» pensei.
«A Madalena é que conhece os caminhos por onde anda...»
Comemos a sobremesa em silêncio. Ela, um gelado e eu uma mousse de chocolate.
«Bebe café?» perguntei.
O seu sorriso envolvente! Se ele falasse verdade...
«Sim, por favor.»
Logo a seguir pedi a conta. Tinha pressa de sair. Que pena o seu olhar terno saber-me a falsidade!
Perdi-a. Tive a certeza.
E voltei a perdê-la quando ela, à saída do restaurante, me deu uma oportunidade que não quis aproveitar. Estava ferido no meu orgulho. Ou tudo ou nada.
Pôs uma mão sobre o meu ombro e disse:
«Temos que nos amparar um ao outro.»
Não respondi.
Foi a única vez que não fugiu. Neste dia. Logo neste dia. Olhei-a. Parecia triste.
A mão desceu ao longo do meu braço esquerdo. Por momentos, revi as sensações que tivera na igreja e tive quase a certeza que tudo foi real nesse dia.
Dei-lhe um beijo no rosto. Depois, afastei-me. Afastei-me, sem olhar uma única vez para trás. Talvez a culpa não fosse minha, mas do poeta que tanto invejava. Só ele podia acariciá-la com palavras, encher de beijos aqueles olhos doces que nunca fugiam. Só o poeta tinha conseguido alcançar o inatingível. Possuir o corpo, sem defesas, que ela negara ao homem. Sim. Era toda uma obra do poeta e não do homem que sofria porque o outro entrou, sorrateiro, pela porta proibida e ouviu-a dizer que nunca tinha imaginado que os sentimentos do homem eram aqueles. Entrou com a magia do sonho, mas não abriu o caminho ao homem.
Só num ponto, homem e poeta foram um só ao consentirem que ela falasse um pouco do seu passado. O céu da esperança abriu-se, por momentos, quando a mulher vivida resvalou, deixando vir à superfície recalcamentos antigos por ter sido usada por um homem que a deitou fora quando se cansou. Não queria repetir o erro.
«E com o poeta?»
«É do meu sobrinho.»
Sorriu. Não se deixava apanhar em falso com duas cantigas.
«Está certo. E que mais? A Madalena não tem outros projetos?»
«Outros?»
«Sonhos...»
«Ah sim.»
Foi a minha vez de sorrir. Fiquei na expectativa.
«Já escolheram?»
Era o empregado.
«Madalena?»
«O cabrito assado daqui é muito bom.»
«Então o mesmo para mim.»
«E para beber?» perguntou o empregado.
«Reguengos tinto.»
«Reserva?»
«Sim.»
O empregado afastou-se.
«Os sonhos... Madalena.»
«O vinho não é caro?»
«Hoje não dividimos ao meio. Fui eu quem fez o convite.»
«E eu escolhi o restaurante.»
«Importa-se...?»
«Obrigada.»
Encolheu os ombros. Só sonhava quando dormia. Nada mais tinha para contar. A sua vida era simples. Gostava mais de ouvir.
Sabia que era um sinal de defesa.
«Então vou continuar a falar.»
«Por que motivo vai desistir do Projeto?»
«Para mim está morto. Prefiro continuar a dar aulas, Madalena.»
«Vão sentir a sua falta.»
«Ninguém é insubstituível. Já têm contabilistas, os malabaristas das contas. Bem vão precisar de milagres.»
«Acha?»
«E se falássemos de outra coisa. Por exemplo, do negócio que tem em mente.»
«Trapos. Preciso dum sócio que me financie.»
Era do que estava à espera.
Já comíamos o cabrito, uma vez que era prato do dia. Enchi-lhe o copo.
«É um delicioso néctar, mas cuidado que tem grau.»
«Obrigada por avisar-me. Não passarei de um copo.»
Então ela precisava de um sócio...
Indiretamente estava a fazer-me um convite, já que não tinha coragem para o fazer com frontalidade. Medi os prós e os contras e decidi logo que não iria por ali. Financiando o negócio, mais tarde ou mais cedo tinha-a nos meus braços. Por outro lado, alimentar um saco sem fundo ia sair-me muito caro. Assim, fingi ignorar o convite disfarçado e preparei o assalto final. Ou tudo ou nada.
Não me contive e disse o que sentia por ela, o que desejava para nós e o que faria e não faria, caso aceitasse a minha proposta.
No fundo, bem no fundo, o que queria?
Uma vida a dois.
Abriu muito os olhos, aparentemente surpreendida. E eu continuei falando. Falando para lá dos limites razoáveis. Sempre fui assim. Nunca gostei do meio termo. No meio termo residia a dúvida.
Praticamente não reagiu. Tinha sido apanhada desprevenida. E eu continuei falando, mais agressivo e zangado do que nunca, à medida que dava conta que ela acenava negativamente com a cabeça. A surpresa foi talvez uma tática dela. Nunca dera conta. Jurava.
«E os poemas... ?»
«Você é um poeta, Mário! Achei graça. Até gosto muito dos seus poemas.»
«Só?»
«Sim» fixou o olhar em mim. «Nunca o vi como um homem na minha vida. Até porque estou noutra.»
«Está? Não parece...»
«Olhe, Mário, já vivi uma vez com um homem e acredite que sofri muito. Agora sou uma pessoa livre e quero continuar assim.»
«Mas não disse que está noutra?»
«E não desminto. É uma relação temporária. Sem importância. Não, não quero voltar a envolver-me.»
Provavelmente um sócio. Um amante-sócio.
«O raio que a parta!» pensei.
«A Madalena é que conhece os caminhos por onde anda...»
Comemos a sobremesa em silêncio. Ela, um gelado e eu uma mousse de chocolate.
«Bebe café?» perguntei.
O seu sorriso envolvente! Se ele falasse verdade...
«Sim, por favor.»
Logo a seguir pedi a conta. Tinha pressa de sair. Que pena o seu olhar terno saber-me a falsidade!
Perdi-a. Tive a certeza.
E voltei a perdê-la quando ela, à saída do restaurante, me deu uma oportunidade que não quis aproveitar. Estava ferido no meu orgulho. Ou tudo ou nada.
Pôs uma mão sobre o meu ombro e disse:
«Temos que nos amparar um ao outro.»
Não respondi.
Foi a única vez que não fugiu. Neste dia. Logo neste dia. Olhei-a. Parecia triste.
A mão desceu ao longo do meu braço esquerdo. Por momentos, revi as sensações que tivera na igreja e tive quase a certeza que tudo foi real nesse dia.
Dei-lhe um beijo no rosto. Depois, afastei-me. Afastei-me, sem olhar uma única vez para trás. Talvez a culpa não fosse minha, mas do poeta que tanto invejava. Só ele podia acariciá-la com palavras, encher de beijos aqueles olhos doces que nunca fugiam. Só o poeta tinha conseguido alcançar o inatingível. Possuir o corpo, sem defesas, que ela negara ao homem. Sim. Era toda uma obra do poeta e não do homem que sofria porque o outro entrou, sorrateiro, pela porta proibida e ouviu-a dizer que nunca tinha imaginado que os sentimentos do homem eram aqueles. Entrou com a magia do sonho, mas não abriu o caminho ao homem.
Só num ponto, homem e poeta foram um só ao consentirem que ela falasse um pouco do seu passado. O céu da esperança abriu-se, por momentos, quando a mulher vivida resvalou, deixando vir à superfície recalcamentos antigos por ter sido usada por um homem que a deitou fora quando se cansou. Não queria repetir o erro.
«E com o poeta?»
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