sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Medo de acreditar

 

TERÇA-FEIRA, 8 DE ABRIL DE 2008



Esse sorriso gelado espelha uma tranquilidade oca que me entristece e não deixa penetrar nas tuas defesas e ir até ao fundo da verdade onde os neurónios sangram de tanto avivarem as memórias que teimam em ficar. És um rio vermelho que esconde, a todo o momento, o constante  engrossar do caudal da ira e do desespero e já não tem leito para tanta agressividade e falta de clarividência. Sim, falta de clarividência. O ódio levou-te ao extremo e não me deste outra oportunidade. Depois, partiste e eu fiquei sem soluções pois não sabia lidar com os mistérios do azul constelado do céu.
Os teus olhos brilharam ou não passou de uma mera alucinação?
No auge da tragédia, eles imploram proteção e carinho e até  parece que chamam por mim. Apesar de ter sido o vetor da traição, todo esse ódio que sentes por mim é pura simulação. Mas é só um momento de magia o brilho dos teus olhos. Há outra magia mais forte que te envolve, um circuito de maldições que me confundem e afastam de ti. Aos poucos, cada manhã vai nascer mais longe da realidade que deixaste fugir. É inevitável. Atraiçoei-te e nunca me perdoaste. Se ao menos tivesses tentado a última aproximação...
Olha, na verdade o último comboio já partiu e tu ainda estás na estação. Sozinha. À espera. Olhas em frente, serena. Ainda vale a pena esperar. O comboio virá quando quiseres porque tu és a única dona da verdade. Se venceste, então os meus atos puros de "cavaleiro andante" já não te impressionam e só me resta deixar que o gelo te envolva. Tem cem anos-luz de espessura e torna-te inviolável. Ninguém passará por esse gelo que fabricaste e continuas a fabricar. És a maior e mais ninguém vai enganar-te com a mentira. Podes dar-te ao luxo de adormecer. A barreira de gelo que te cerca é infinitamente espessa, como infinitamente espessa a grossura do erro que cometeste. Adormeceste dentro de ti, mulher bela. O teu sono tornou-se eterno. 
Tentei ser a tua madrugada. Sarar as feridas. Tirar-te do peito o espinho que te fez adormecer nesse sono profundo de encantamento. Podia imitar o príncipe encantado daquela mais que repetida história que nos contaram quando éramos criança. 
Um dia talvez acordes. Apesar do gelo ter a espessura de cem anos-luz, acredita que só eu te posso ajudar e romper a barreira intransponível que nos separa. Criei uma nova força. Ao afastar-me, deixei-te o caminho livre. E, quer acredites ou não, mesmo que esteja do outro lado da vida e que seja impossível ver-te, ainda não te esqueci.
Do lado de cá a verdade foge para o teu lado. Do lado de lá, não te vejo e nada posso fazer.
Acreditas?
Não. Já sabia. Sossega. Nunca estive do lado de lá. Mas talvez seja possível. Quando chegar o momento. Por agora não sei como chegar a ti. Vem tu ao meu encontro. Sorri. Eu sou ainda vida. Uma das coisas boas da vida que perdeste e que ainda pode voltar para ti se renasceres.
Renasce! Deixa que o gelo do teu olhar funda ao calor da amizade para dar seguimento a voos mais altos. Não tenhas medo. Isso, assim. Sorri. Mas não mostres esse olhar que não consigo dominar-me. Não. Não são lágrimas. Foi só a recordação das coisas boas que tivemos. 
Desde que te conheci tenho estado sempre contigo, quer acredites quer não. Mas nada posso fazer senão sonhar e depois revoltar-me por teres partido tão cedo. Partiste e nem sequer me disseste adeus.

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