domingo, 9 de agosto de 2020

A verdade do absurdo

 


Para lá dos meus sentidos vive um outro ser que os olhos não alcançam. Fala-me de si mas a voz, perde-se no vazio envolvente.
Toca-me ao de leve e sinto o frio da sua presença e o seu odor distante tem sabor a desencanto.
És tu! Adivinho a tua angústia. Chamas por mim e não te oiço. Abraço-te e olho para as mãos vazias. Sinto o cheiro a um corpo impuro. Tudo em ti é frustração e desencantamento. Esse teu mundo é cruelmente invisível.
Não sei como és ou se és! A dúvida atormenta-me ao imaginar que és uma alucinação que me olha mas não age. Mas a maior tragédia não é essa. É pior. Saber que estás perto sem que possa ver luar do teu olhar triste. Luar? Não. Neblina. Ou nevoeiro. Nevoeiro, sim. Nevoeiro que te esconde ao insinuar-se nos teus contornos e que te protege do receio de enfrentares o mundo que já foi teu.Estou certo agora?
Como resposta, vem de ti um odor a corpo pútrido, rosa em botão que já não és. Tudo quanto sonhava em ti deixou de ser. Mas bem mais trágico ainda que a maior das tragédias é o meu destino de mortal, inventor de olhos tristes, sonhador de quimeras, não poder chegar a ti para descobrir-te onde não estás. Inventar paradoxos neste mundo porque é impossível chegar ao outro. Apenas quando chegar o tempo. Se é que este já chegou e a realidade aqui é um sonho permanente, só interrompido por descontinuidades. Como aconteceu no tempo sem tempo, quando voámos para longe e os nossos olhos trocaram promessas que duraram enquanto estivemos escondidos na distância.
Por vezes a esperança acende uma luz ténue no meu mundo cego, imperfeito. Porque julgo que és tu, então hesito, corro, hesito e os sentidos atropelam-se; oiço, vejo, toco, cheiro; provo a tua substância ausente e oiço, paradoxalmente, um sussurrar no vazio. Um sussurrar teu, quiçá rendida à voragem do orgasmo.
No meu mundo absurdo, as mãos percorrem ávidas a colina onde adivinho estarem os teus seios pequenos e rijos. Um corpo mais gostoso que o luar dos teus olhos, mais gostoso, bem mais gostoso que os morangos silvestres que sabem apenas e simplesmente a morangos. É o que imagino. Mas a verdade é outra porque sei que és um corpo grosseiro e gélido…

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