domingo, 9 de agosto de 2020

O homem que acalmava o mar (2)


O CAÇADOR DE AMORES IMPOSSÍVEIS


ESTE ESPAÇO PERTENCE A A. M. FONSECA. SÓ ELE SABE CAÇAR AMORES IMPOSSÍVEIS. MÁRIO DESCOBRE, ILDEFONSO CONSTRÓI, FONSECA TRANSFORMA À SUA IMAGEM. O TEMPO, QUE É O COMEÇO DE TODAS AS COISAS, TEM A ÚLTIMA PALAVRA. E "EU QUE NÃO EU MAS EU"?

 



 

Repouso mais uma vez os olhos em ti, mar salgado, mar embravecido. Quantos lares destroçaste!, quantas lágrimas foram vertidas para que fossem teus, ó mar!
Eu, que vejo onde acabas e não começas, que cheiro a maresia das tuas ondas que se desfazem em espuma... eu, que falo contigo o silêncio das palavras, que te acalmo e embalo até adormeceres e ficares calmo, que tenho o dom de derramar as lágrimas e diluir o sal da tua bravura... eu, por quem esperas há muito e não me entrego enquanto tiver a magia de vencer, mar salgado, tenebroso, que beijas, por vezes com doçura, as areias da praia e também fazes recuar, com violência, as rochas que bloqueiam o teu avanço, eu... enquanto o coração bater e a razão ordenar, mar tenebroso, hostil, não penses que vou ouvir as canções das tuas mil sereias nos caminhos onde estou a passar!

O outro (1) que talvez não fosse eu, esse ainda está por aí. No fundo. A procurar. Ninguém o viu regressar. Nem vai ver. Abriste o caminho e ele passou porque só queria procurar. E falava contigo e tu ouvia-lo. Parecia que o ouvias. 
Nunca mais ficou sozinho, mas também ninguém mais o amou. Mar adentro, mar adentro avançou. Procurou, procurou. Até ficar no fundo do mar. 
Ele, que te acalmava (estranho dom!) e que fingias escutar. Alguém que também já não sou. Tinha a força, tinha o dom. Lia em ti o que ninguém lia. Via nas gaivotas o que também ninguém via. Gaivotas de asas feridas a descerem para a rebentação, também como ele, procurando, procurando. Até que não voltavam. 
Esse homem, que tinha a força e o dom, que amava as plantas e os astros, que chorava as mágoas da vida, as tragédias dos que procuravam em ti o sustento, foi tragado pelo passado que não conseguiu esquecer. Esse homem, que te acalmava nos dias em que te erguias irado e lançavas as tuas ondas salgadas sobre a praia que tanto amavas. Que falava contigo e tu ouvias, calado, mar feito lago, e que trazia para junto de ti um sonho antigo que te acalmava... que procurava esse homem? A sua solidão? E que lhe deste, ó mar?
Não o vejo. Não o sinto. Aquele que te acalmou e mar adentro avançou. 
Estás irado. Já não o tens. Nem sabes que outros mares o levaram. Agora já ninguém consegue acalmar-te. As tuas ondas estão cada vez mais altas. Bem sei. Não as vou desafiar. Aprendi a lição de saber perder. Agora, só quero vencer. Porque o outro gostava de todos. E eu quero só gostar de mim. Aprender a não dar. A não sonhar. A partir e a chegar.
Estou junto a ti. Já reparaste? Desta vez não te vou acalmar. Bem podes  mostrar o caminho aberto porque não vou em ti procurar. Lança as tuas ondas sobre as rochas, leva contigo a areia e os seixos, os barcos e os incautos, mas não mostres o caminho que mostraste ao outro. Sê, principalmente, como és. Como te vejo. Um mar bravio e salgado. Sem vida. Sem alma. Sem segredos para desvendar. Não. Não me abras o caminho porque o meu caminho é outro. Fechou-se o coração. Agora sou diferente porque descobri que não sou quem fui, aquele que só dava e não recebia.
Estranho dom, o de dar e não receber. Não consigo imitá-lo, mas estou também a procurar à minha maneira. A abraçar o mundo e a fugir das tuas sereias melodiosas e fatais. 
Para sempre? O que é para sempre se o sempre não se alcança? 
Espera por mim. Um dia, no limiar da eternidade as tuas águas vão abrir de novo o caminho e guardar o segredo das minhas cinzas, das memórias apagadas. E sob ti, em berço de espuma branca e salgada, irei então adormecer na semente que amanhã germinará para mais um regresso (quem sabe?). Sempre à procura, mas não em ti, de uma alma gémea que existe algures, desencantada como eu, sofrida, mal amada, ressurgida também das cinzas.
Agora que te mostrei esta nova visão, é tempo de partir. É tempo de dizer-te adeus. Os meus olhos não mais se deixarão perder no imenso deserto que foste e que és. Perdoa-me, mar. Agora vejo-te assim.
«E o outro homem que acalmava o mar...?» perguntarás.
Esse, alguém o inventou. Ou outro mar o levou. Outro mar irado, tão irado como tu. De ondas levantadas, mas sem tempestades interiores. Por vezes um mar feito lago.
Procurar...?, procurar o quê em ti, se nem ainda me encontrei? 
Procurar, sim. Mas ela. A causadora das minhas tempestades interiores e que nada têm a ver contigo, ó mar!

Diz-me, mar, onde estão os seus olhos que beijava e onde está o seu corpo que me embriagava de desejos? E as mãos macias que já não sinto? E o amor que outro destino a roubou? E a rosa que lhe ofereci e fatalmente secou? E que outro mar a levou?
Não sei o que será de mim neste lugar ermo onde vejo o mar feliz só por eu ter voltado. 
Porque já a perdi, restam-me as tuas ondas bravias e as tempestades doentias. Mais o desencanto do meu fado a soluçar na garganta os versos que fiz para ela.
Não sei para onde a levou a viagem e quem a encantou na miragem doutro fado que a acolheu. 
Comigo só ficou o mar a bramir, e eu à espera do futuro que há de vir dos lados do vento sul, com ondas que levantam espuma e passam todas, uma a uma, pela primeira que já parou!  
E tu, mar raivoso, chama o vento que ergue as ondas. Varre a praia. Destroça os barcos. Já sei que vou outra vez naufragar.
Mas antes de ergueres as ondas, fala comigo das promessas de amor que não foram cumpridas, meu mar interior. És testemunha. Só tu sabes, mar salgado, das promessas de amor. Dos corpos enlaçados. Do desejo. Da voragem. Da fuga. 
Para onde foi isso tudo, ó mar?
Ouves-me e sorris. Estás de volta. Já tardavas. Há muito que não te acalmava.
E o caminho continua aberto. Não sei que mais queres de mim.  Talvez que 
fale contigo, como o outro fazia. Talvez te cales a escutar. 
Chegou outra vez o tempo. Acalma as tuas águas e adoça o teu sal. E espera por mim. 
Em noite de lua cheia, quando a saudade mais aperta, estou de novo à beira-mar. A chama que o coração ateia, aquece a praia deserta e fico à espera da última onda que amanhã vai chegar...

Utopia é amanhã

 

SEXTA-FEIRA, 14 DE MARÇO DE 2008



Era uma vez uma utopia
que encontrei no céu da noite
à noite dormia com ela
também à noite a perdia.

Sozinhos deitados na cama
cada um na sua estrela
sonhámos um amor proibido
tu viçosa e eu crepúsculo
preso nuns longos cabelos
e nuns olhos doces e belos
tu rosa vermelha em botão
colhida do meu jardim.

Agora que o tempo se foi
e já não te vejo  ó trigueira
passaste por mim sem parar
cabelos soltos ao vento...
só a saudade ficou.

O amor que me ofereceste
e o coração que se abriu
sonhei ou nunca existiu?

Um dia calaste o amor
cabelos soltos ao vento
braços abertos abertos
passaste por mim de repente
correndo, correndo sempre
e não te pude alcançar.

Vejo-te deitada na cama
pensando talvez em mim
tu viçosa e eu crepúsculo
eras a flor do meu jardim.

Sozinha deitada na cama
olhos tristes e perdidos
lábios morangos silvestres
sonho que os vou beijar
no futuro onde me esperas.

E quando uma estrela cadente
riscar o meu nome no céu
então serás tu ó trigueira
dos olhos mais belos que vi
a estrela que me há de guiar
para a minha eternidade...



A verdade do absurdo

 


Para lá dos meus sentidos vive um outro ser que os olhos não alcançam. Fala-me de si mas a voz, perde-se no vazio envolvente.
Toca-me ao de leve e sinto o frio da sua presença e o seu odor distante tem sabor a desencanto.
És tu! Adivinho a tua angústia. Chamas por mim e não te oiço. Abraço-te e olho para as mãos vazias. Sinto o cheiro a um corpo impuro. Tudo em ti é frustração e desencantamento. Esse teu mundo é cruelmente invisível.
Não sei como és ou se és! A dúvida atormenta-me ao imaginar que és uma alucinação que me olha mas não age. Mas a maior tragédia não é essa. É pior. Saber que estás perto sem que possa ver luar do teu olhar triste. Luar? Não. Neblina. Ou nevoeiro. Nevoeiro, sim. Nevoeiro que te esconde ao insinuar-se nos teus contornos e que te protege do receio de enfrentares o mundo que já foi teu.Estou certo agora?
Como resposta, vem de ti um odor a corpo pútrido, rosa em botão que já não és. Tudo quanto sonhava em ti deixou de ser. Mas bem mais trágico ainda que a maior das tragédias é o meu destino de mortal, inventor de olhos tristes, sonhador de quimeras, não poder chegar a ti para descobrir-te onde não estás. Inventar paradoxos neste mundo porque é impossível chegar ao outro. Apenas quando chegar o tempo. Se é que este já chegou e a realidade aqui é um sonho permanente, só interrompido por descontinuidades. Como aconteceu no tempo sem tempo, quando voámos para longe e os nossos olhos trocaram promessas que duraram enquanto estivemos escondidos na distância.
Por vezes a esperança acende uma luz ténue no meu mundo cego, imperfeito. Porque julgo que és tu, então hesito, corro, hesito e os sentidos atropelam-se; oiço, vejo, toco, cheiro; provo a tua substância ausente e oiço, paradoxalmente, um sussurrar no vazio. Um sussurrar teu, quiçá rendida à voragem do orgasmo.
No meu mundo absurdo, as mãos percorrem ávidas a colina onde adivinho estarem os teus seios pequenos e rijos. Um corpo mais gostoso que o luar dos teus olhos, mais gostoso, bem mais gostoso que os morangos silvestres que sabem apenas e simplesmente a morangos. É o que imagino. Mas a verdade é outra porque sei que és um corpo grosseiro e gélido…

sábado, 8 de agosto de 2020

Viagem astral

 

QUARTA-FEIRA, 12 DE MARÇO DE 2008



Quem és tu
que estás atrás da cortina
na distância proibida
ao mundo material?
Vejo-te triste
de olhos nos olhos
com o outro eu
que não sou eu
no tempo sem tempo
das promessas esquecidas
e dos beijos ardentes
salgados pelo mar azul
dos longos dias azuis
em que vestias de branco.

Longos dias azuis
em que vi os teus olhos
verdes, azuis, cinzentos.
Longos dias cinzentos
em que vestias de castanho
cabelos loiros ao vento
mulher livre que eras
antes do teu tempo parar.

Num outro tempo...

também tempo sem tempo
vestias da cor da esperança
e caminhavas para a luz.

Mas logo te vi ontem
envolta no manto
das paixões imateriais
que ardem sem chama.

Será que vieste 
vestida de lilás
e os teus olhos mentiram
no dia em que ficaram
perdidos nos meus?
E as mãos gélidas 
que eu apertei
afinal de quem eram?

Talvez voltes amanhã
daqui a tanto tempo!,
que vou
esquecer-me
da cor do teu vestido.

Quadras a esmo...

 

TERÇA-FEIRA, 11 DE MARÇO DE 2008

Quadras a esmo...



O poeta que finge a dor
nunca a verdade encontrou
se num dia perde um amor
um outro amor chegou.

Se acaso o poeta navega
para além do seu horizonte
nunca a mensagem entrega
ao amor que tem defronte.

Ser poeta é saber navegar
nos mares de mil correntes
nos teus lábios naufragar
em beijos longos e ardentes.

Rosa vermelha é paixão
a branca sinal de morte
se me deres a tua mão
tenho nela a minha sorte.

Espinho fino crava fundo
num momento a dor aperta
quem me dera ser deste mundo
e ter sempre a porta aberta.


Ser poeta é ser do azul
e ter força de resistir
à força do vento sul
que um dia há de vir.

No tempo que há de vir
sonhamos o tempo parado
mas no espaço que existir
só tem lugar o passado.


No passado em que eu te amei
no futuro que não se adivinha

num deles por ti já passei
no outro jamais serás minha.

Quem me dera adivinhar
nas linhas da sua mão
ter alguém a quem amar
sem sangrar meu coração.

Tenho tudo o que não quero
e já nada me resta de ti
se há muito por ti espero
há muito também te perdi.


Chega o tempo do entardecer
estou no fim da minha sorte
sou um poeta sempre a viver
nesta corrida para a morte.


Estou cansado de ter vivido
os sonhos que nunca sonhei
quem me dera ter esquecido
o dia em que te encontrei.

Jamais me vou esquecer
do poeta que nunca mente
ainda agora o estou a ver
fingindo a dor que sente.

Palavras  palavras perdidas
"meu amor minha ternura"
saudades de paixões vividas
são ecos de muita amargura.

Muito muito me enganei
perdi-me de amores a esmo
quando um dia te encontrei
enganei-me a mim mesmo.

O crepúsculo vai chegar
a morte espera quieta
e o poeta fica sem voz.
Esvai-se o tempo de ficar
nunca mais se é poeta
quando o rio chega à foz...

Para lá da porta...

 

TERÇA-FEIRA, 11 DE MARÇO DE 2008 


Quero aprender para lá da distância que os sentidos não alcançam onde moram outros sentidos que dominam o ser sem defesa vergado à emoção irracional de não assumir o mistério do oculto.
Força é a verdadeira medida do ladrão do tempo suspenso quando o desejo de aprender transbordou em caminho sem recuo.
O ladrão do tempo que sou, fundiu o segredo rompendo a porta dos limites para num segundo de sede infinita seguir o voo livre da gaivota, depois do cativeiro, entre relâmpagos e buracos negros fatais.
Um segundo, um relâmpago. Depois o regresso à prisão de imitar a vida.
Quanto tempo durou o “segundo” em que fui dono do Poder?, por onde andei e que galáxias indefesas engoli?, que “mensagem” trouxeram os meus olhos das imagens que esqueci?
Para lá da porta que se abriu sei que falámos de ti e de mim, até que fugiste outra vez.

Não desisto!, sabes que não desisto!
Mas como posso encontrar-te, Coisa, Poder, Força, na informação guardada, se os “arquivos” se apagaram e nem sequer sei se agora estou a voltar?
E onde estão as memórias esquecidas das viagens que não fiz?
Um segundo é tanto tempo no tempo em que não havia tempo!

Um segundo vale uma vida para lá da porta...

Adeus, princesa

 


Quem eras, princesa misteriosa
que vi-te à janela e fiquei preso
aos teus olhos meigos?

Chamei-te Princesa
mas nunca reinaste.
Nasceste para ser estrela
mas nunca brilhaste.

Quem eras tu,
que levei-te comigo
e dei-te carinho
mas pouco tempo o tiveste?

Só na morte foi longa a vida.
Mas o princípio e o fim uniram-se.
Ontem e hoje talvez fosses tu...
Não sei quem foste se não foste tu!

Adeus, Princesa...

Perdi-te tão cedo
!
Não mais vou ver-te à janela...






Parabéns

 

SEXTA-FEIRA, 26 DE OUTUBRO DE 2007


Parabéns!
Hoje é o dia dos teus anos.

Estamos distantes e tão perto
mas não sei como chegar a ti.

Vejo-te triste e ausente
chorando a rir da tragédia
que o deus menor te ofereceu.

Vejo-te atrás da vidraça
olhando o passado ruim
que a tua alma ferida
jamais vai perdoar.

Vejo-te triste e carente
ave de asas quedas
que já não consegue voar.

Caminheiro das noites longas

perdido em labirintos tecidos
já não sei como te ajudar.

Chamo por ti na distâncias 
os teus olhos não me veem
e os meus ficaram cegos
de tanto olharem pró mar.

Mas vejo além da distância
o luar que há-de vir
em noites de lua cheia
ofuscar a solidão.

E no luar que nos envolve
vamos brindar num só voto
ao sonho que já sonhaste.

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Renascer

 

SEGUNDA-FEIRA, 8 DE OUTUBRO DE 2007




Um dia descobri que definhavas
ao ver as tuas folhas pálidas
caírem uma a uma...

Quando partiste para sempre
o mundo do silêncio envolveu-te
e caíste na dimensão proibida.
Disseram-me que choravas
com pena de não me teres;
diziam que chamavas por mim
mas eu nunca te ouvi.

Procurei em vão
sinais do teu olhar triste.

Quando acreditei que renasceste
nas promessas da primavera
que volta todos os anos
a planta de folhas mortas
que comparei com a tua vida
abriu a primeira folha.

Mas porque sabia que sonhava
antes que chegasse a madrugada
mergulhei  no fundo mais fundo
das origens saudosas
mas voltei triste
porque já não existias.

A planta renascida
tinha uma nova folha

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

À beira-mar (2)

 

DOMINGO, 9 DE SETEMBRO DE 2007







Onde estão os teus olhos doces
que ainda ontem beijava?
E onde está o teu corpo sedoso
que me embriagava de desejo?
As tuas mãos suaves... não as sinto!
E a tua boca que beijei ontem
quem foi que a roubou?

Que será o amanhã neste lugar ermo
onde vejo o meu mar bramindo
quiçá feliz por me ver voltar?

Já não te tenho, amor!
Restam-me as ondas bravias
as tempestades interiores
e o desencanto de um fado
a soluçar na garganta
com os versos que fiz p'ra ti.

Para onde te levou a viagem
quem te encantou na miragem
doutro destino que te acolheu
destino doutro que não é o meu?

Já partiste não te vejo
e o futuro que há de vir
dos lados do vento sul
com ondas que levantam espuma
passam por mim uma a uma
e a nossa nunca mais veio.

Em noites de maré cheia
quando a saudade mais aperta
 sonho contigo à beira-mar;
e a chama que o coração ateia
aquece a praia deserta
na ânsia de te ver voltar...