Este não é o meu mundo. Julgava que este mundo tinha sido obra benigna de Deus. Já fui crente nesse tempo. Mas Hoje sou quem sou e não quem era. Alguém desencantado. Não foi Ele, mas o aleatório que levou o jovem da camisola azul ao encontro da rapariga do vestido branco numa noite tépida de setembro. Eu e a minha Eva sonhámos uma vida a dois, até que a serpente me tentou. Uma parente da mesma que expulsou o homem e a mulher do Paraíso. Tudo por causa de uma maçã colhida de uma certa árvore proibida que, por sinal, chamava-se cinicamente "árvore da vida". Que tinha a árvore de especial? As maçãs eram maçãs ou uma metáfora? Claro que eram. Estavam ali para tentar o homem e correr com ele (e a mulher) dali para fora de uma vez por todas. Talvez Deus quisesse fazer uma experiência. E se fez, esta correu mal. O mundo de Deus foi posto a nu. Desde então não houve mais paz neste mundo criado para o homem que, por sua vez, fora criado à Sua imagem. Até que um dia cheguei eu. Estive numa coisa, para mim parecida com o Paraíso e hoje estou como estou! Porra de vida. Tudo por causa de uma árvore e de uma serpente? Treta. Aquilo era uma armadilha e tinha mesmo que acontecer porque no mundo do Senhor Deus, Omnisciente, Omnipotente e Omnipresente, há serpentes espalhadas por tudo o que é sítio. Apesar do que disse e do quase tudo que ficou por dizer, porque ainda acredito encontrar um dia o Paraíso perdido, não consegui evitar este chorinho que se segue...
A chuva continua a cair em bátegas gélidas na terra hoje ensopada e ontem seca de lágrimas que não foram choradas. Não te vejo, nem oiço a voz que não era suposto vir das profundezas. Mas sinto a tua presença e há uma voz interior que julgo ser a tua. Estás cá dentro e, ao mesmo tempo, longe. Mesmo agora estou a ouvir-te. Pedes para deitar rosas na ilha que te ofereci.
Não queres rosas brancas. Lembram a morte e afirmas que estás viva. Viva em mi.
Quero saber se estas palavras que ouvi são tuas. Não peço muito. Apenas ter a certeza se me chamaste num sonho, ou se a tua voz veio pelas distâncias telepáticas. Se estás presente e continuas escondida. Se estás perto e, ao mesmo tempo, longe. Tão longe e tão perto!
Os videntes dizem que choras, que ouvem o teu soluçar angustiado. Pobre de mim, que sou cego e surdo para o teu mundo, aquele que está ainda para lá da última cortina que nunca consegui abrir.
Fecho os olhos para imaginar como eras. Só vejo um anjo de olhar triste. Tão abandonada estás nesse cárcere que tem as frestas de onde vês os dias e as noites! E sobre a pedra mármore, alva, que te cobre, tens por companhia rosas brancas, já secas. Rosas brancas que eu não ofereci ao meu amor. Para o meu único amor só queria oferecer rosas vermelhas.
Foste a primeira rosa. Levou-te a morte muito cedo. Nunca mais te vi, nem nunca mais te verei. Mas continuo a sonhar.
Não me lembro.
E onde estão os teus lábios rubros que quis beijar?
Foi há muito. No tempo da primeira rosa.
Quero ver-te, nem que seja uma última vez. Voltar à doçura dos teus lábios. Possuir-te até à exaustão. Acordar a semente adormecida desde o dia do desencantamento.
Já não me lembro do teu rosto, coração frio. Jazes na terra dos esquecidos e eu também vou apodrecendo aos poucos, consumido pela dor que não consigo sentir. És a minha última obsessão. Mau destino o meu que me faz arrefecer na lareira onde, há muito tempo, a última brasa foi consumida.
Como foi possível perder-te tão cedo?
Estou só. Como tu. Se ao menos me desses um sinal...
Não há rasto de azul. Apenas vejo na frente um deserto imenso de solidão e desespero. Dói-me a alma. A carne mirra. Os ossos estão deformados. É um sinal que a morte ensaia o último assalto. Pela primeira vez penso que o meu relógio vai parar. Talvez amanhã. Talvez depois. Não muito depois. E mesmo no parar do relógio, receio que vamos continuar desencontrados. Eu, aqui. Tu do outro lado da porta.
Estou decidido. Levo comigo três rosas para te oferecer. Uma, para recordar o tempo do primeiro amor a despertar. Outra, destinada aos longos dias em que não te tive. E a terceira, a última, quem sabe... para que renasça, aí, desse lado, o amor que um dia jurámos ser eterno!


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