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oi uma tragédia ter voltado.
Estou para aqui, só, sem esperança de
voltar a ser como era. À minha volta a neblina fecha o horizonte da viagem e
não sei como chegar igual a mim
próprio. Agora que voltei, todas as noites adormeço com o mesmo pensamento e todas as manhãs acordo com a certeza amarga que vou continuar a viver por viver. Tudo o que acontece soa a negritude e desencanto e apresenta-se de forma descontinuada, como se estivesse a assistir a fragmentos de uma vivência já passada. Só pode ser. O passado é agora o meu presente. Nunca mais terei o amanhã natural sucessor de ontem. O meu céu era azul por mais cinzento que parecesse. Havia sempre um amanhã a pintar numa nova tela de cores alegres. Hoje não.
Não devia ter voltado. Cheguei demasiado tarde para dar a volta à tragédia que caiu sobre mim. Não tenho forma de fugir deste lago de águas estagnadas.
Ah!, meu amor... porque não me levaste contigo quando, já adormecido, acreditava que o nosso sonho estava de volta?
Tenho saudades tuas! Partiste sem dizer adeus. Ou disseste adeus e eu não quis acreditar. Agora, deste lado onde estou, não te tenho e sinto-me cada vez mais só. Não é verdade que a esperança renasça ao despertar, pois não passa de uma ilusão a ilusão de ser amado por quem não me ama. É isso. A ilusão de estar vivo quando é verdade que não tenho quem me tem.
Desde que foste para longe e continuei a viver a vida foi como se um dos relógios do tempo parasse e outro, irreal, continuasse até que aconteceu aquilo e tive hipótese de não voltar. O limbo acolheu o meu corpo gélido mas tive de voltar. Não porque desejava muito voltar. Sim porque era um grande imitador de viver.
Julgava que tinha uma missão a cumprir e enganei-me. A cortina descerrou-se e então pude ver a verdade.
Vem. Embala-me o sono e deixa que adormeça serenamente para acordar num amanhã diferente em que a morte é a nova vida. De morto já não passo. Do pântano já não saio. Do mesmo dia já não passo.
Nada importa ter voltado se ainda continuo à espera de voltar para ti, para o lado de lá onde me tiveste e, mais uma vez, deixaste que me trouxessem de volta.
Se voltei e não sou, então quem sou?
Ah!, se ao menos tivesse a força dos outros tempos!
Voltei de um sonho ruim. Voltei à vida. Infelizmente. Não é o mesmo que voltar para a vida. Esta, tal como era, tal como foi, não voltará. Os caminhos que segui, quando acreditei que havia um tempo infinito para amar, recentes ou recuados, não voltam mais. Só imitações.
Dou comigo a pensar se o fictício tomou definitivamente conta de mim. Se assim foi e assim é, então o sonho ruim continua e o meu real está manietado e à mercê dos vermes mal o corpo grosseiro se afunde na terra ou o fogo o consuma.
Mais valia ter adormecido na viagem por via de outra alternativa. A hipótese de poder entrar no túnel com a luz mais intensa ganharia outra consistência.
Não devia ter voltado tão cedo porque não a vi. Com o seu vestido branco. Aquele sorriso doce. O olhar triste, perdido no horizonte...
Voltando ao presente, talvez que um dia explique o motivo que me levou a não acreditar (e se transformou em mito) na certeza que tinha de haver sempre um tempo para amar.
Mentira!, porque hoje estou só. O corpo está a recuperar do sonho ruim, mas parece que o espírito morreu. Sou levado a reboque pela vida. Um fio frágil prende-me ainda ao desejo de ser aquele que fui, de acontecer outra vez a mesma poesia que já aconteceu. Mas não. Tenho que me render à evidência. Estou morto.
Quem me dera não ter voltado!
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