domingo, 7 de novembro de 2021

Vereda da agonia


TERÇA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2008

Vereda da agonia


Chuviscava. Indiferente à chuva, seguia pela vereda. Sabia onde a ia encontrar. E não me enganei. À hora exata lá estava ela. Chamei-a. Simulou não me ver. Pensando melhor: não me viu.
Passou por mim. Chamei-a. A chuva ecoou em dilúvio, um trovão rugiu e o vento assobiou a sua canção preferida. A voz perdeu-se.
Agora o silêncio é o senhor absoluto da vereda. A chuva abrandou. Um último raio rasgou o negro do céu. Fico expectante. Pressinto a sua presença. Há feromonas no ar gélido.
Ela está algures. Os seus olhos cor do carvão fitam o horizonte, algures...
E algures é finalidade?

Já não a vejo. Talvez tenha sido uma simples alucinação.
A sós com as trevas da minha solidão, revejo o anoitecer inevitável que me trouxe mais uma visão. Chuviscava. Indiferente à chuva, ela seguia pela vereda. Apurei o ouvido e ouvi o vento entoando uma canção. O choro da desconhecida. E então percebi...

Encerrada num corpo mortal, voltara do outro lado da porta. Era uma alma perdida que procurava o que os seus olhos não atingiam. E o impossível era ele, o espírito da agonia, um outro espírito que a tinha destroçado em vida. Eu que queria que me perdoasse.
Ironia, ver-me! Eu que sempre a via na vereda, esperando, maldito mito!, o regresso de um espírito!

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