segunda-feira, 8 de novembro de 2021

O tempo da rosa vermelha



Coração ingrato que ignoras os desencantados. Coração ingrato e cego. Foge da noite e volta para o azul. Molha os pés na espuma da onda que vem e já não volta. Pisa as pegadas que ficaram para trás e vem ao meu encontro. Estou à tua espera. Não demores. Amanhã pode ser tarde.
Chegou o tempo, coração cruel que dilaceras os segredos da memória adormecida. Vem ter comigo. Aceita a rosa vermelha que nunca te dei e foi colhida no tempo dos amantes, quando a esperança ainda morava comigo. Vem compor a sinfonia para o crepúsculo.Vem antes que seja tarde e a última viagem já não tenha partida. Continuo à tua espera. No silêncio do espinho cravado fundo. Na dor insensível do grito abafado.
Coração frio que jazes na terra dos esquecidos. Vês o dia e a noite pela fresta que se abriu quando te procurei. Há rosas brancas sobre a tua campa e o vento que vem de ti uiva, irado, porque uma promessa não foi cumprida.
A chuva cai em bátegas gélidas na terra ensopada, ontem seca de lágrimas que não foram choradas.
Não te vejo nem oiço a voz que dizem vir das profundezas, mas sinto-a.
«Vem deitar rosas vermelhas na ilha que me ofereceste. Não quero rosas brancas. Lembram a morte e eu estou viva em ti. E depois, vai ver-me à casa onde nasci e me fiz na rapariga do vestido branco que te amou sempre...»
Dizem que choras, que ouvem o teu soluçar angustiado. Pobre de mim, que sou cego e surdo para o teu mundo que está para lá da última cortina que não consigo abrir. Fecho os olhos para imaginar como eras. Só vejo um anjo de olhar triste. Tão  abandonada estás nesse cárcere que tem as frestas donde vês os dias e as noites! 
E sobre a pedra alva que te cobre, tens por companhia rosas brancas, já secas. Rosas brancas que eu não ofereci ao meu amor. 
Foste o primeiro amor. A primeira rosa vermelha. Levou-te a morte. Nunca mais te verei. 

Fecho os olhos e sonho...
Como era o teu olhar triste e a melodia da voz que não ouvi há pouco?
Não me lembro.
E onde estão os teus lábios rubros que esconderam as últimas palavras? 
Foi há muito. No tempo da primeira rosa.
Queria ver-te, nem que seja uma última vez. Voltar à doçura dos teus lábios. Possuir-te até à exaustão. Acordar a semente adormecida desde o dia do desencantamento.
Como foi possível perder-te tão cedo?
Se ao menos me desses um sinal...

Até Deus me abandonou. Não há rasto de azul. Apenas vejo na frente um deserto imenso de solidão e desespero. Dói-me a alma. A carne mirra. Os ossos começam a ficar deformados. A morte ensaia o assalto. Pela primeira vez penso que o tempo vai parar. Talvez amanhã. Talvez depois. E mesmo no parar do relógio, receio que vamos continuar desencontrados do outro lado da porta.


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