sexta-feira, 2 de junho de 2023

Um dia...

 


Um dia estarei no cintilante constelado do céu. Só. Perdido entre as estrelas envelhecidas e já frias, depois de ter voado até aos limites do Infinito, senhor eterno da liberdade e também da solidão.
Foi ontem. Ainda não me esqueci. Não quero acreditar que a nossa paixão ardeu, rápida, como todas as outras paixões arderam até à exaustão. Hoje dorme o sono eterno das cinzas. Acontece com as paixões. São generosas. Quentes. Por vezes violentas. Imprevisíveis. Paixões que prometem tudo. A lua dos apaixonados. O ouro das quimeras. A memória dos esquecidos. Prometem tudo e amanhã dão nada. 
Quem não teve uma paixão, dessas como eu tive, que atire uma pedra. Não interessa que seja a primeira. Não se envergonhem porque já está a acontecer uma chuva de pedras. Pois é. Nada a fazer. A paixão é assim. Tira-nos o apetite. Faz bater o coração a mais de cem. Origina rios de lágrimas durante e após a separação. Cria a ilusão da felicidade. É cruel. Parte quando menos se espera. E então surge a tragédia. Regressa mas volta a partir. Não acreditem nas paixões porque o vento leva-as sempre para longe. Mais tarde ou mais cedo. Mas continuando, há paixões e paixões. Curiosamente, hoje só me lembro de uma. Não sei até se foi paixão. Quero apostar que não. Porquê? Porque tive muitas paixões. Umas, correspondidas. Outras, assim assim. E ainda mais outras, nem por isso. Mas esta, que foi diferente, vivi-a como a paixão das paixões. Amor. Sim, talvez tenha sido amor porque ainda hoje me faz bater o coração a mais que cem, quando me lembro de ti. Quando digo "quando me lembro de ti", é mentira. Porque estou sempre a lembrar-me de ti, minha paixão que não é paixão. Ontem, hoje, sempre. Até mesmo quando chegar o momento de partir para as estrelas moribundas. Escuras. Invisíveis. Fustigadas pela energia negra que as afasta cada vez mais umas das outras.
Mas será que vale a pena recordar-me de ti, minha paixão que não foste paixão?
Agora nasce a dúvida. A angústia por causa desta estranha sensação de me sentir só. Devem sabem o que é estar só. Nem todos? Então, não queiram saber. E se sabem, não queiram dizer. E tentem concordar comigo. Se não concordarem, tanto faz. Estou por tudo. 
Quando ficamos só com a paixão, porque será que esse azul-negro que estamos a ver ainda nos parece mais negro?
Mas que raio de paixão (ou amor) foi esta para continuar presente?
Porque não consegui calar a revolta de ter-te perdido tão cedo, sem tempo para contar, arrastei-me no fio de todos os dias, levado pela esperança, quiçá engano, de poderes voltar um dia, talvez amanhã ou então encontrar-te num desses tão falados e controversos mundos paralelos, utopias dos cientistas sonhadores e dos sonhadores não cientistas como eu sou. 
Entretanto vieram mais destinos e tu continuaste comigo, paixão. Via-te sempre nesses destinos. E até estou a ver-te nos destinos de amanhã. Sim. Estarás comigo até que o crepúsculo me envolva com o seu manto fatal e me deixe procurar finalmente a eternidade tão desejada onde talvez me esperes. Talvez. E se for mais que talvez, poderei estar contigo e ouvir outra vez a tua voz doce que, um dia, mal tive tempo de ouvir. Se é que é possível. Não sei. O fim do fim é capaz de ser diferente do que era antes do fim do fim.  
Agora é o momento do volte-face tão próprio das paixões. Vou dizer-te que não fico contigo. Porquê? Tens todo o direito de saber, embora não vás gostar. Porquê?, repito em jeito de suspense. E aqui vai a resposta. Embora tivesses sido a paixão das paixões, ou amor, não deixaste de ser paixão, porque, se não tivesse acontecido uma paixão daquelas tipo leva-as o vento, tinhas-me perdoado. Mas não foi assim que aconteceu. Um dia fiquei só quando quiseste partir para a tua eternidade e nem sequer me avisaste.  Assim, prefiro ficar perdido algures entre as estrelas, a vê-las afastarem-se umas das outras, distantes e frias, cada vez mais distantes e frias, e eu também cada vez mais distante de ti, só, como tu, até que me esqueça que um dia vi o teu olhar triste, perdido no horizonte, talvez já descrente do futuro que te esperava.. 

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