segunda-feira, 5 de junho de 2023

O meu crepúsculo

 


Pergunto ao vento por ti. Às nuvens. À chuva que cai, incessante. Às lágrimas que não choraste e não sequei. Aos olhos que se fixaram nos meus com carinho, até que o nosso tempo parou. Pergunto ao vento que soprou forte e levou-te para longe.
Cansei-me de esperar. Admiti até que a espuma do tempo se encarregaria de fazer o trabalho que não consegui fazer. Mas, não. Não me esqueci de ti. Do mundo que construímos e que afinal não passava de um castelo de areia que a erosão destruiu. Como podia esquecer-me? Tu eras a única. Acredita que só pensava em ti. Apesar de distante, só pensava em ti dava-te todo o meu amor nas cartas que te enviava. Assim como tu. Até que um dia apareceu o ciúme. E o ciúme roeu a nossa bela ligação. Roeu e matou a esperança de fazermos uma vida a dois num amanhã que julgava próximo. Quem teve a coragem de nos afastar? Estava inocente e não tive hipótese de demonstrar que eras o meu único amor e cada um seguiu o seu caminho. Foi tudo muito rápido. Não encontro explicação. 
Os anos passaram. Os teus, infelizmente foram curtos. Sofridos. Marcados pela dor física. Quiçá também pela pela outra dor de não seres minha. Só tu sabes. E eu? Eu ainda ando por aqui. Até quando, só Deus sabe. Se é que Ele sabe. Nunca falou comigo!

Agora, sentado à lareira onde arde o sonho de ontem, vejo as labaredas vermelhas, último alento, agonia inevitável idêntica à de uma estrela em colapso. Labaredas que já não me aquecem. E porquê? Porque o tempo não perdoa, bem sei. O tempo cujas engrenagens encurtam o meu tempo. Apertam-me. Asfixiam-me. E assim, em breve deixarei de pensar em ti. Tentando adivinhar onde estás. As memórias de ti ainda estão guardadas na minha mente, mas agora cobertas por um nevoeiro cada vez mais cerrado. É suposto pensar, entretanto, que te vejo ainda, mas no tempo sem tempo. No tempo que levou as nuvens. A chuva que te levou para longe. As lágrimas que secaram. Os teus olhos tristes e a distância que eles alcançavam. É suposto pensar que nunca mais te terei, estrela. E sabes uma coisa? Estou só, embora, por vezes, sinta a tua presença. Talvez seja uma alucinação. Mas não importa. Sonhar com o que quer que seja é o que me resta. Desde que seja sonhar contigo é bom. Tentar interpretar os sinais que surgem. Imaginar que és tu quem os envia...
Chegou mais uma longa noite escura. Cada noite que passa é como um dia minguado que se segue a outro mais minguado. Felizmente que há um dia que dura menos que os outros e a que corresponde a mais longa das noites, âncora levantada para o recomeço da viagem rumo aos dias mais longos. Que bom seria que o rio da nossa vida, cíclico em máximos e mínimos, ficasse quase parado a meio caminho do máximo que um dia sonhámos atingir!
Por mais longa que seja a noite tem sempre um fim. Mas porque será que as nossas noites estão cada vez mais longas e escuras se os sinais do tempo apontam para uma lenta aproximação da primavera?
Por outro lado, o Sol está cada vez mais baixo no horizonte.
Ah!, se nós tivéssemos o poder da magia e pudéssemos transformar as nossas noites cada vez mais longas em longos dias azuis...



sexta-feira, 2 de junho de 2023

Um dia...

 


Um dia estarei no cintilante constelado do céu. Só. Perdido entre as estrelas envelhecidas e já frias, depois de ter voado até aos limites do Infinito, senhor eterno da liberdade e também da solidão.
Foi ontem. Ainda não me esqueci. Não quero acreditar que a nossa paixão ardeu, rápida, como todas as outras paixões arderam até à exaustão. Hoje dorme o sono eterno das cinzas. Acontece com as paixões. São generosas. Quentes. Por vezes violentas. Imprevisíveis. Paixões que prometem tudo. A lua dos apaixonados. O ouro das quimeras. A memória dos esquecidos. Prometem tudo e amanhã dão nada. 
Quem não teve uma paixão, dessas como eu tive, que atire uma pedra. Não interessa que seja a primeira. Não se envergonhem porque já está a acontecer uma chuva de pedras. Pois é. Nada a fazer. A paixão é assim. Tira-nos o apetite. Faz bater o coração a mais de cem. Origina rios de lágrimas durante e após a separação. Cria a ilusão da felicidade. É cruel. Parte quando menos se espera. E então surge a tragédia. Regressa mas volta a partir. Não acreditem nas paixões porque o vento leva-as sempre para longe. Mais tarde ou mais cedo. Mas continuando, há paixões e paixões. Curiosamente, hoje só me lembro de uma. Não sei até se foi paixão. Quero apostar que não. Porquê? Porque tive muitas paixões. Umas, correspondidas. Outras, assim assim. E ainda mais outras, nem por isso. Mas esta, que foi diferente, vivi-a como a paixão das paixões. Amor. Sim, talvez tenha sido amor porque ainda hoje me faz bater o coração a mais que cem, quando me lembro de ti. Quando digo "quando me lembro de ti", é mentira. Porque estou sempre a lembrar-me de ti, minha paixão que não é paixão. Ontem, hoje, sempre. Até mesmo quando chegar o momento de partir para as estrelas moribundas. Escuras. Invisíveis. Fustigadas pela energia negra que as afasta cada vez mais umas das outras.
Mas será que vale a pena recordar-me de ti, minha paixão que não foste paixão?
Agora nasce a dúvida. A angústia por causa desta estranha sensação de me sentir só. Devem sabem o que é estar só. Nem todos? Então, não queiram saber. E se sabem, não queiram dizer. E tentem concordar comigo. Se não concordarem, tanto faz. Estou por tudo. 
Quando ficamos só com a paixão, porque será que esse azul-negro que estamos a ver ainda nos parece mais negro?
Mas que raio de paixão (ou amor) foi esta para continuar presente?
Porque não consegui calar a revolta de ter-te perdido tão cedo, sem tempo para contar, arrastei-me no fio de todos os dias, levado pela esperança, quiçá engano, de poderes voltar um dia, talvez amanhã ou então encontrar-te num desses tão falados e controversos mundos paralelos, utopias dos cientistas sonhadores e dos sonhadores não cientistas como eu sou. 
Entretanto vieram mais destinos e tu continuaste comigo, paixão. Via-te sempre nesses destinos. E até estou a ver-te nos destinos de amanhã. Sim. Estarás comigo até que o crepúsculo me envolva com o seu manto fatal e me deixe procurar finalmente a eternidade tão desejada onde talvez me esperes. Talvez. E se for mais que talvez, poderei estar contigo e ouvir outra vez a tua voz doce que, um dia, mal tive tempo de ouvir. Se é que é possível. Não sei. O fim do fim é capaz de ser diferente do que era antes do fim do fim.  
Agora é o momento do volte-face tão próprio das paixões. Vou dizer-te que não fico contigo. Porquê? Tens todo o direito de saber, embora não vás gostar. Porquê?, repito em jeito de suspense. E aqui vai a resposta. Embora tivesses sido a paixão das paixões, ou amor, não deixaste de ser paixão, porque, se não tivesse acontecido uma paixão daquelas tipo leva-as o vento, tinhas-me perdoado. Mas não foi assim que aconteceu. Um dia fiquei só quando quiseste partir para a tua eternidade e nem sequer me avisaste.  Assim, prefiro ficar perdido algures entre as estrelas, a vê-las afastarem-se umas das outras, distantes e frias, cada vez mais distantes e frias, e eu também cada vez mais distante de ti, só, como tu, até que me esqueça que um dia vi o teu olhar triste, perdido no horizonte, talvez já descrente do futuro que te esperava.. 

Diálogo absurdo

 


Extraído de: A Esfinge tinha uma heroína


«Dianética?, afinal quem vai fazer dianética comigo?»
«Você parou...»
«E ia caindo do banco!»
«Não viu que lhe trocaram o banco?»
«A mente reativa é que teve a culpa.»
«Ionesco?»
«Não. Desligaram a mente analítica e disseram-me: desce como de costume.»
«Quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga. Vou ter juízo. Deixo a alquimia e regresso às origens. Chegou o fim do tempo.»
«Astrologia?»
«O corpo é que paga.»
«Não entendo.»
«Passa-se o mesmo comigo.»
«Mas nós estamos na mesma onda! Foste tu que disseste uma vez que estávamos na mesma onda. Lembras-te?»
«Prefiro não me lembrar e dizer que não entendo. Afinal quem tirou o banco?»
«Ninguém tirou o banco. O chão é que estava um pouco mais longe. Só isso. Uma questão de erro da mente analítica. O chão estava mais longe. Não se aleijou?»
«Sou o homem de borracha. Saí sem uma beliscadura depois de uma queda de anos-luz!»
«E eu a Branca de Neve...»
«Muito prazer. Acredita. Foi mesmo milagre. Tenho que substituir a palavra por outra. Sorte. Fatalidade. Pode ser destino.»
«Como?»
«O chão é que podia ter aberto a boca... Destino é sorte. Boa ou má sorte.»
«Deixemos o Ionesco na paz eterna dos seus torrões. E olhe... desculpe não ter aparecido naquele dia. É que não foi possível. Borrei a pintura...»
«Mas se não apareceste... ou melhor: se chegaste tarde, então nunca mais chegaste!»
«Onde ouvi essa?»
«Foi na mente reativa, quando trocaram o banco ou o chão fugiu para baixo. A mente reativa regista tudo, sabes? É pena que ela seja tão desorganizada. Tem um poder infinito.»
«Bem, vamos ao que interessa.»
«A iniciação.»
«O bloqueio.»
«Você disse que queria ser iniciado.»
«O artista é que falou nisso e frisou que já não valia a pena. A propósito: ele entrou no teu laboratório secreto. Diz-me que entrou, que domina todos os tubos de ensaio e que já não posso levar ao fogo o cadinho da paixão. Diz-me que não estou enganado, que os ácidos reagiram docemente com as bases e daí resultou um pó branco que não vou tomar. O pó. O outro pó que estava embrulhado em prata. Foste tu, não foste?»
«Fui.»
«Porquê?»
«Porque estamos na mesma onda!»
«Ora essa. Nunca estivemos. Estou em ondas curtas. E tu? Talvez lá. Muito longe...»
«No passado?»
«Sim. Vieste do passado remoto e foste tragada pelo presente. De uma vez para sempre te digo. Não resultou. Sabes bem que não resultou.»
«Mas então existi!»
«Se estás a rebuscar nas cinzas frias do comboio do futuro, como podes saber que exististe?»
«Não o entendo, Mário. O comboio do futuro já está em cinzas antes de chegarmos lá? Então não tenho futuro. Você chama por mim e depois não me quer. Diz que também não tive passado. Esquece o que fomos e diz que não pode haver futuro! Mas eu digo que sim. Afinal, sou tudo. O passado, o presente e o futuro.»
«Desengana-te. És a Esfinge e não tens futuro. Fizeste viagens
«Pergunte à Esfinge quem sou. Quando ela está assustada, o que faz?»
«Foge de mim como o diabo foge da cruz. Mas tu é que tens negócios com ele. Vi-te com uma nota na mão depois de dares o pacote do pó ao alemão.»
«Inevitavelmente fujo. E sabe porquê?» 
«Diz.» 
«Não quero fazer-lhe mal.»
«Mal por mal... Deixa isso para lá. Olha uma coisa... Sabes saltar?»
«...?»
«Deduzo que não. Dou cambalhotas à retaguarda. Era a minha especialidade na tropa. A propósito: já ouviste falar na Borsic?»
«Nesse tempo era a gaivota...»
«E no copo que rodopiava no snack
«Com a Patrícia, distante, em frente ao Mário. Não. Não era a Patrícia.»
«Vejo que te lembras. Sabes uma coisa?, havia bancos altos junto ao balcão.»
«E as gaivotas picavam para a rebentação das ondas.»
«O céu estava azul.»
«Os dias é que eram azuis!»
«E longos. Longos dias azuis.»
«Ainda são longos?»
«Sim. Só a eternidade é mais longa!»
«Gostava de voltar um dia ao snack e ver com os meus olhos se o Mário ainda lá está a ver as gaivotas planaram no céu. À espera. À espera da Patrícia. Um dia, a cadeira na sua frente ficou vazia. E a Patrícia nunca mais apareceu.»
«É verdade. Mas a Manuela existiu! Sim, existiu. E existe. E existirá para todo o sempre.»
«Como assim?»
«Eu sei.» 
«Tem provas ou é só pura intuição?»
«Só sei que sei.»
«Mas estamos a falar sem nos conhecermos. É talvez a força do hábito. Quanto mais falo consigo, menos o conheço. Não sei se você é o Mário dos negócios fracassados, como aquele dos caracóis que tinha tudo para andar, ou o outro que se esconde atrás de si. Feitas as contas, são três.»
«Eu também não te conheço. A quem devo a honra?»
«Chamo-me Esfinge.»
«Esfinge?»
«Sim. E confesso que já fui do azul.»
«Foste do azul! Estranha forma de te apresentares. Só uma mulher foi do azul e agora já nem sequer pode sonhar. Nem consegue atravessar desertos vermelhos. Vive perdida na noite e dizem que chora. Mas nunca a ouvi chorar. Essa, sim, foi do azul. Ficou no passado remoto. Para sempre. Ninguém mais poderá ser do azul, entendes?»
«Se é assim, nem sequer existo ou também fiquei no passado remoto. Temos que lá ir. Deve ser bom encontrar o passado. Poder corrigir muita coisa que resultou mal. Poder evitar as guerras que ceifaram muitas vidas. A fúria dos terramotos.»
«Os terramotos, não são para aqui chamados. São fenómenos extremos da Natureza. Terríveis. Inevitáveis. Só os destinos podem ser alterados. O teu nascimento, por exemplo...»
«Não devia ter nascido.»
«Porquê?»
«Por causa da maldição do pó branco!»
«Olha, podemos atrasar o teu nascimento. Basta um segundo e já não encontras o artista que te levou nas viagens que foram a tua perdição.»
«Faz isso por mim?»
«Por ti faço tudo. Só que há um problema...»
«Que problema? Isto ia tão bem!»
«Estamos em passados distintos.» 
«E agora?» 
«Abranda a velocidade da tua onda para que a minha a agarre.»
«Assim?»
«Está bom. Quando disser três, mergulhas.»
«Calçada?»
«tanto faz. Talvez seja melhor voarmos. Não estamos a sonhar?  Abre os braços. Isso. Não tenhas medo. Não vês que estamos a sonhar?»
«Tenho medo de acordar. Este sonho é demasiado belo! Voar!, quem me dera saber voar! Ser livre. Não ter amarras. Nem fantasmas que sugam a vida. Voar! Foi sempre o meu sonho... Pronto, já abri os braços. Se calhar, quer agarrar-me. Conheço bem o truque. Os homens são todos iguais. Envolventes. Fatalmente sedutores.»
«Sabes muito bem que o pó que me deste não era a minha “heroína”. Como posso agarrar-te se continuamos em ondas diferentes e se não te vejo nem tu me vês? Confia em mim. Vá. Lança-te no espaço quando contar até três.»
«Tenho medo. Pode ser mais uma viagem
«Eu não faço viagens, bem sabes. Aqui não há alucinogénios. Mas tenho outra ideia...»
«Outra ideia?» 
«Uma ideia brilhante.» 
«E?»
«Apanha aquela gaivota que está a olhar para nós.»
«Não vejo a gaivota!»
«Faz de conta que vês. No azul...»
«Ah!, no azul... Agora recordo-me. As tuas gaivotas só voavam no azul. Já a agarrei. Estou a voar alto. É maravilhoso voar assim!»
«Olha...»
«Sim?»
«Já estamos no passado.»
«No mesmo passado?»
«Na mesma onda. Não me vês? Eu vejo-te. Dá-me a mão. Assim... Gosto do contacto da tua pele macia. Tira-me do sério. Os olhos... deixa que os recorde. Foi há tanto tempo!»
«De que cor eram os olhos de Patrícia?»
«Azuis, verdes, cinzentos. Da cor do mar.»
«Oh!»
«Mas tu não és a Patrícia!»
«Chamo-me Esfinge...»
«Profanaste o meu laboratório secreto! E és ninfomaníaca.»
«Que mal faz?» 
«Muito. Toda a diferença. A infidelidade é o teu cartão de visita. Larga-me a mão!»
«Tenho medo! O passado vai tragar-me. Está tudo escuro. Não me deixe!»
«É tarde. Já não posso voltar atrás para salvar-te. Lamento. Fica esta mancha na minha vida.»
«Sinto frio. As ruas estão desertas. Não oiço ruídos. Não há ninguém no passado. Sinto tanto frio!»
«Fresco. Está fresco.»
«Fresco?»
«Tenho a sensação que já te conheci, mas também há miragens nestas ruas que já não existem. Só o futuro pode trazer de volta as ruas. Onde procurar-te? Queria ver-te. Nem que fosse durante um segundo...»
«Está a falar para outra mulher.Vai fazer-me mal?»
«Mal? Não tenhas medo. Estamos no passado e ainda não nasceste. Eu já ando por aí. Vagueando. Algures. Se me encontrar, posso alterar o destino.»
«Algures é finalidade. O nosso destino?»
«Não sei. Chegou o momento. Vês aquele boqueirão?»
«Vai tragar-nos!»
«Não tenhas medo. Estou aqui. Ao teu lado.»
«Que sensação estranha! Agora já não sou a Esfinge. Perdi a identidade e estou a fundir-me com alguém, num orgasmo longo... É uma sensação tão estranha!»
«Entrámos no boqueirão. Estás sob o efeito da queda. A queda é longa. Talvez eterna.»
«Eu também sou eterna.»
«A morte é que é eterna...»
«Está escuro. É assim que se morre?
«Não sei. Nunca morri. Pelo menos não me lembro de ter morrido. Tu é que já morreste uma vez.»
«Engana-se, sou a Esfinge. Também nunca morri. Disse-lhe uma vez que era eterna. Não se lembra?
«Tretas. Julgavas que tinha acreditado? Sabes uma coisa?»
«Sim?»
«Chegámos e não consegui encontrar-te.»
«E agora...?»
«Ando à minha procura pelos caminhos que já trilhei.»
«Já não sei quem sou! Ajude-me!»
«Vou ajudar-te... Lembras-te do pó branco maldito?»
«Que pó? Não sei de que pó fala. Tenho frio! Muito frio! Estou cega! Cega! É assim que...»
«...se morre?»
«Não o vejo. Onde está?»
«Estou aqui, a teu lado. Mas é tarde. Já não vale a pena.»
«Mas quem sou eu?»
«Eras um dos meus destinos. Ponto final.»

Os comboios passam apinhados de destinos. Espero ainda pelo meu. Um dia poderei talvez escolher outro rumo. Na órbita do acontecer há vestígios de esperança. Ao longe. Muito ao longe. No sítio para onde voam as gaivotas que já não picam para a rebentação. 
Ela chamava-se Ana, mas para mim sempre a vi como a Esfinge. Quando a conheci, já estava possuída pela magia negra do pó branco e sonhava com as viagens, das quais regressava cada vez com menos resistências. Era inevitável um dia ser tragada para sempre. Podia tê-la ajudado e resgatado de uma das suas viagens. Preferi ignorar a tragédia daquela mulher esfíngica que uma vez me disse que queria regressar às origens e não conseguiu. Foi mais um nota negativa para sobrecarregar o meu karma por não ter querido ajudá-la enquanto tinha o tempo comigo.
Paciência, enquanto puder vou andando por cá...