Sabes que me sinto
triste, muito triste?
Sabes que me sinto muito triste porque não te tenho ao meu lado, no sofá do
costume, onde estão, à minha direita, dois comandos apontados para a televisão,
silenciosa a seguir ao momento em que telefonaste a dizer que não vinhas?
Sabes que quando telefonaste a dizer que não vinhas já previa esse
acontecimento que me encheu de tristeza, não por ser adivinho, mas porque ambos
conhecemos a razão?
Sabes que, mesmo que tivesses vindo e te sentasses, como de costume, à minha
direita, e apontasses um dos comandos para a televisão a fazer zapping até
encontrares um canal a teu gosto e depois encostasses a cabeça no meu ombro e
ficasses muito quieta a olhar para o écran, adormecida ou não, longe do meu
mundo?
Sabes porque falei do meu mundo, quando só devia existir o nosso mundo?
Sabes que só vivo no teu mundo quando te apetece abrir a
porta?
Sabes que quando me telefonaste a dizer que não vinhas, pois sentias-te cansada
e doíam-te os rins e tudo mais, pensei que as dores e o cansaço seriam os mesmos na minha casa ou na tua e eu suspeitei que o motivo era outro e muito simplesmente guardei
para mim?
Sabes que antes de telefonares a dizer que não vinhas, pois sentias-te cansada
e doíam-te os rins, sentias frio e tudo mais, tinha a sala aquecida como tu
gostas, os comandos à minha direita sobre o sofá, à tua espera e tudo o mais ao teu gosto?
Sabes que te amo e estou sempre à tua espera mesmo que admita que não
vens?
Sabes porque vens quase todos os dias e sentas-te ao meu lado, apontas um dos
comandos para a televisão a fazer zapping e depois encostas os
cabelos sedosos ao meu ombro?
Sabes se eu sei que ficas à espera de uma carícia ou que a carícia pode acontecer antes de
ficares à espera dela?
Sabes porque foram sendo adiados os sonhos que projetámos fazer juntos e porque
agora nem sequer falamos deles?
Sabes porque me agrides com as palavras mais vezes do que agrides o resto do
mundo?
Sabes porque a seguir a todos estes momentos de desencanto continuarei a
amar-te, amanhã e amanhã, mesmo que amanhã e amanhã não te apeteça vir?
Sabes porque neste momento me sinto uma espécie de asteroide à deriva depois de
uma perturbação na sua rota do acontecer cuja causa não conheço?
Sabes que nada é eterno e temos que aproveitar a fração de tempo de que
dispomos em relação ao tempo que já vivemos, mesmo que os nossos mundos não se
possam fundir num só, por exemplo admitir a hipótese de vires quase todos os
dias sentar-te a meu lado, fazer zapping com o comando,
encostares-te ao meu ombro e eu tentar fazer força de travagem no tempo que vai
passando mesmo sabendo que ele nos empurra, inevitavelmente, para a frente?
Sabes porque tentas desesperadamente ganhar o primeiro prémio do euromilhões se
talvez nunca o ganhes porque a probabilidade de o ganhar é mínima e desprezas
prémios secundários que podes ter todos os dias sem gastares um cêntimo, como,
por exemplo, fazeres zapping para a televisão, encostares a
cabeça ao meu ombro e depois acontecer aquilo que nós sabemos?
Sabes que tens uns olhos bonitos e uma boca doce que nunca me canso de beijar
quando tu deixas?
Sabes que procuro um mundo só para os dois que dure a eternidade do tempo que
nos resta, nem que seja mais um segundo?
Sabes se amanhã vai acontecer outra vez o momento, bem diferente do inquietante
que estou a ter, em que te verei sentada com a cabeça encostada ao meu ombro,
adormecida, longe de todos os perigos porque estou ao teu lado?
Sabes se eu sei que sabes se reside o amor quando dormes a meu lado e não só?
Sabes que nunca conhecerás o amor se não te entregares a ele?
Sabes que nunca me amaste?
Mudando de assunto... Sabes?
